quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A utilização do direito privado pela Administração Pública


Actualmente é sabido que as relações entre a Administração Pública e o direito privado existem e são cada vez mais frequentes, razão pela qual não podem ser negligenciadas. Estas relações a que nos referimos são, por um lado, as que resultam da circunstância de o direito privado constituir um limite da actividade administrativa licita e, por outro, as que derivam da utilização directa de meios e instrumentos de direito privado por parte da administração, tanto na sua actividade privada como na satisfação directa de necessidades colectivas.
A Administração Pública no exercício das suas funções utiliza normalmente o direito administrativo para actuar, pois assim encontra-se munida dos seus poderes de autoridade, já o contrário não será verdade, isto é, se a administração recorrer ao direito privado para actuar, ela encontra se numa posição de paridade para com os particulares na medida em que o direito privado tutela de igual forma as suas partes e, apesar de ser da Administração Pública que se trata, esta não poderá beneficiar de uma posição privilegiada se ou quando contratando com particulares ao abrigo do direito privado. Desta forma cabe assim à Administração Pública, perante os casos em concreto, decidir qual o direito que se afigura mais favorável a sua actuação.
No exercício da sua actividade privada por exemplo, quando a administração celebra certo contrato de compra e venda de computadores para uma repartição pública ela actua como se de um privado se tratasse, na prática são dois privados que actuam, não existe nenhum beneficio para a administração. ([1])
A Administração Pública não perde, pelo facto de se tratar de uma entidade pública, a sua capacidade à luz do direito privado, mantendo assim uma posição que lhe permite celebrar os negócios que entender como se de um particular se tratasse.
Mais controversa será a questão da Administração Pública recorrer ao direito privado para exercer funções materialmente administrativas.
Em primeiro lugar, cabe referir que não existe qualquer razão para excluir essa possibilidade desde logo porque temos o exemplo de ser possível a prossecução de interesses públicos através de pessoas colectivas públicas cujas atribuições sejam desempenhadas através de meios de direito privado.
Mas esta tendência de, cada vez mais a administração recorrer aos meios privados para prosseguir os seus fins tem uma explicação e, aliás facilmente compreensível. Sobre a temática são enunciados seis critérios pela Professora Maria João Estorninho na sua obra “Fuga para o Direito Privado” que justificam o recurso pela administração a formas de organização e actuação de direito privado, sendo estes:

1. Critério da criação: Desde logo torna-se mais fácil tanto criar como extinguir instituições de cariz privado uma vez que as imposições de formas jurídico-públicas dificultam tanto a criação como a extinção por exemplo de fundações de empresas.
2. Critério da autonomia: Recorrendo ao direito privado, este permite a descentralização e autonomia dos seus entes assim como verifica uma delimitação de âmbito de responsabilidade própria e autónoma.
3. Critério da organização: Através do direito privado verifica se uma libertação das regras de organização próprias do direito público uma vez que, os entes privados tem uma organização própria prevista muitas das vezes nos seus estatutos e, na sua falta, no regime privado.
4. Critério de dinâmica: Denota-se que através do regime jurídico privado tona-se possível a adopção de processos de decisão e actuação mais flexíveis, mais desburocratizados, mais rápidos e eficientes que consequentemente levam a uma maior rentabilidade e economicidade. Verifica-se ainda, nestes casos, uma diversificação de bens e serviços que são oferecidos no mercado assim como uma grande simplificação na contratação de trabalhadores.
Pode ainda ser referido a este propósito, o exemplo da transformação da Caixa Geral de Depósitos, antiga empresa pública, em sociedade anónima que manteve os capitais exclusivamente públicos. ([2]) Através da sua modificação foi possível que esta nova sociedade pudesse ficar sujeita aos princípios da economia de mercado e a novas regras de concorrência.
5. Critério do financiamento: Permite-se que através dos meios privados haja uma diversificação de meios de financiamento, isto é, não só o Estado mas também outras pessoas colectivas e privados podem investir ou contribuir com capitais. Verifica-se ainda nestes casos a possibilidade de redução de custos administrativos e a susceptibilidade de beneficiar de vantagens fiscais.
6. Critério das relações exteriores: Torna-se visível uma maior facilidade de cooperação e conjugação de esforços entre as várias entidades públicas assim como se verifica uma maior facilidade de intercâmbios com estrangeiros.

No entanto, existem também diversos perigos na utilização do direito privado pela Administração Pública desde logo o seu afastamento do direito público permite que a administração se liberte das vinculações aos princípios fundamentais que lhe são impostas pela Constituição, e obtenha assim um espaço de livre arbítrio administrativo. Então qual será a solução para evitar esta fuga para o direito privado?
A Professora Maria João Estorninho apresenta duas soluções:
A primeira, consistiria na solução radical de simplesmente proibir qualquer recurso por parte da Administração Pública as formas de actuação jurídico-privadas. A Administração Pública apenas poderia agir através de formas de actuação previstas no direito público.
A segunda solução, mais moderada, seria a de permitir a actuação da Administração Pública através de formas de actuação de direito privado desde que certas normas e princípios de direito público fossem considerados.
A solução passará exactamente por permitir uma combinação do direito privado com certos limites, impostos pelo direito público, ou seja, e necessário harmonizar o direito privado com as garantias dos particulares e com os deveres da administração.


([1]) José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira “Noções Fundamentais de Direito Administrativo” 3º Reimpressão da edição de Outubro 2005, Almedina
([2]) Decreto-lei 277/93,10 Agosto.

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