sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Breve Análise ao Estatuto do Gestor Público [Parte 2]


Quanto à duração do mandato dos gestores públicos, convém fazer algumas considerações anteriores ao Decreto-Lei nº 71/2007. Assim, na anterior versão do EGP – Decreto-Lei nº 464/82 de 9 de Dezembro – além de não existir um artigo especialmente considerado para a duração do mandato, não era fixado qualquer limite aos mandatos sucessivos na mesma empresa pública.
          O Decreto-Lei 71/2007, actualmente em vigor, veio ao invés, dedicar um artigo a esta matéria – artigo 15º - e estabelecer um limite legal, no seu nº 2, às renovações consecutivas de mandatos na mesma empresa pública, fixando em três mandatos o limite máximo de renovação. Trata-se, na nossa óptica de uma medida bastante pertinente, uma vez que se aplica ao gestor público o princípio da renovação aplicável titulares de cargos políticos, previsto no artigo 118º da CRP. Desta forma, evita-se que possa existir a possibilidade de alguém se manter ad eternum num cargo, situação que seria possível em caso de haver em determinada altura um ciclo político e que os gestores permanecessem nas suas funções com base em critérios meramente políticos (veja-se o que sucede com a Madeira).
          Ainda quanto à duração do mandato, surge a primeira diferença de regime entre eleição ou nomeação como foi referido supra. Ora em caso de nomeação, aplicar-se-ão as regras do EGP (leia-se Decreto-Lei nº71/2007). Desta forma decorre do nº 1 do artigo 15º deste diploma legal que o “mandato é exercido, em regra, pelo prazo de três anos, sendo os mandatos dos membros do mesmo órgão de administração coincidentes”. Atentemos portanto na parte final do preceito e façamos uma comparação quanto às regras gerais do Código das Sociedades Comerciais, que se aplicam aos administradores eleitos. O nº 3 do artigo 391º do CSC dispõe que “os administradores são designados por um período fixado no contrato de sociedade, não excedente a quatro anos civis, contando-se como completo o ano civil em que os administradores forem designados; na falta de indicação do contrato, entende-se que a designação é feita por quatro anos civis, sendo permitida a reeleição”. Daqui resulta uma incongruência. Imaginemos que na mesma empresa pública existe um administrador nomeado e um administrador eleito e que ambos fazem parte do mesmo órgão da dita empresa pública. Acontece que em caso de as regras estatutárias das empresas em causa não solucionarem o problema da duração dos mandatos, aplicar-se-á o EGP e as regras gerais do CSC respectivamente, o que por si só, já constitui um desvio ao nº 1 do artigo 15º in fine.
            Do exposto se retira que, de jure condendo, e salvo melhor opinião, o EGP ou o CSC deveriam ser revistos de forma a harmonizar as regras quanto à duração do mandato aplicáveis tanto a administradores nomeados, como a administradores eleitos.

            Quanto à remuneração dos gestores públicos, a questão torna-se mais controversa. Cabe portanto, fazer também algumas considerações prévias.
Na anterior versão do EGP (Decreto-Lei nº 464/82), não existiam quaisquer limitações ao nível da remuneração. Aliás, era-nos fornecido, pelo artigo 7º do citado diploma legal um critério algo arbitrário, onde a competência para a fixação da remuneração seria do ministro da tutela e do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano. O montante fixado dependeria de uma tabela de remuneração indexada à dimensão da empresa pública e à complexidade da gestão.      
A revogação do citado diploma legal pelo Decreto-Lei 71/2007 trouxe algumas alterações, ainda que não tenha sido também fixado um máximo quanto à remuneração. Pode ler-se no nº 1 do seu artigo 28º que a remuneração integra uma componente fixa e pode integrar uma componente variável no caso de administradores executivos. No entanto, também este diploma legal foi sujeito a alterações pelo Decreto-Lei  nº 8/2012.
Assim, pode ler-se na actual versão do Decreto-Lei 71/2007, no nº 1 do seu artigo 28º “a remuneração dos gestores públicos integra um vencimento mensal que não pode ultrapassar o vencimento mensal do Primeiro – Ministro”. Ficou assim consagrado um limite máximo à remuneração dos gestores públicos. Ainda assim, atentando no artigo 30º deste diploma legal, podem ocorrer outras remunerações decorrentes dos contratos de gestão (contratos estes, que são obrigatórios nos termos do artigo 18º do mesmo diploma legal). Ora segundo a alínea b) do nº 1 do artigo 30º, pode “existir prémios de gestão passíveis de atribuição no final do exercício ou do mandato, que não podem ultrapassar metade da remuneração anual auferida, de acordo com o cumprimento dos critérios objectivos dos quais dependa a sua eventual atribuição, sem prejuízo do limite fixado nos respectivos estatutos”. Verifica-se, pois, a possibilidade de atribuição de prémios que vão para além da remuneração prevista.
Concordamos parcialmente com as alterações feitas pelo Decreto-Lei 8/2012. Apesar de ser claro que não é solucionando o problema da remuneração dos gestores públicos que conseguiremos alcançar uma boa gestão pública, este poderá ser um dos inúmeros problemas que – concordemos ou não – está resolvido.
Desta forma, e novamente salvaguardando melhor e douta opinião, pensamos que é adequada a fixação de um limite à remuneração fixa dos gestores públicos. No entanto, colocamos algumas questões quanto ao valor em causa. Com esta medida os gestores públicos ficam sujeitos a uma remuneração máxima fixa que fica aquém dos 6000 euros mensais. Com efeito, somos levados a considerar este valor baixo para que se possa atrair para o exercício destas funções gestores públicos que se destaquem na sua área até pelas qualidades, supra mencionadas, do artigo 12º do Decreto-Lei nº 71/2007 - comprovada idoneidade, mérito profissional, competência e experiência de gestão, sentido de interesse público e habilitação, no mínimo, com o grau académico de licenciatura. Assim, gestores com estas qualidades serão atraídos para os privados, exercendo funções idênticas mas com remunerações bem mais elevadas.        
Justificamos esta análise. Apesar do modelo de Estado Social que é vigente, defendemos o que parece ser óbvio. Nem todos os sectores do Estado têm que ser deficitários, porquanto o actual modelo seja o Estado Social. Aliás, um dos sectores que não deve apresentar prejuízos é exactamente o sector empresarial do Estado, bem pelo contrário. Mais defendemos que, para que este sector não apresente prejuízos devem ser tomadas medidas no sentido de atrair bons gestores. Para isso concordamos com o limite máximo, mas somos defensores de que os prémios de gestão devem significar não apenas grande parte das remunerações dos gestores públicos, mas a maior parte desse montante. Isto claro, mediante objectivos ambiciosos que visem mormente uma grande obtenção de lucro. Tudo isto significaria que o pagamento dessas remunerações seria um sinal positivo tanto para o gestor, como para o Estado que usufrui dos préstimos do gestor em causa, o que culminaria na promoção de uma gestão por objectivos e a consequente melhoria dos resultados obtidos. Por inerência, discordamos com o disposto na mencionada alínea b) do artigo 30º do Decreto-Lei 71/2007.
Não obstante a crítica feita, não podemos neste caso desconsiderar o que estas alterações nos trouxeram de positivo, principalmente ao nível da transparência.

 Passemos agora a uma análise quanto a alguns motivos de cessação de mandato. Entre eles o motivo justificado, a demissão por mera conveniência de serviço e a renúncia, sendo que já se fizeram considerações acerca do decurso do prazo (duração do mandato).
No que respeito diz à demissão por motivo justificado, surge com relevo o artigo 25º do EGP, este modificado no seu nº 1 pelo Decreto-Lei 8/2012. Deste modo, dispõe o citado artigo que o gestor público pode ser demitido quando lhe seja individualmente imputável uma das seguintes situações: “a avaliação de desempenho seja negativa, designadamente por incumprimento dos objectivos referidos nas orientações fixadas ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, ou no contrato de gestão”; “violação grave, por acção ou por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa”; “A violação das regras sobre incompatibilidades e impedimentos; e, por fim, violação do dever de sigilo profissional”. Especial atenção deve ser dada ao nº 2 deste artigo que dispõe que a “demissão compete ao órgão de eleição ou nomeação, requer audiência prévia do gestor e é devidamente fundamentada”. Do exposto se retira nova incongruência entre o administrador eleito e o administrador nomeado. É que o primeiro, pode ser demitido a qualquer momento, porquanto se lhe aplicam as regras gerais do CSC, nomeadamente o nº 1 do artigo 403º que dispõe que “qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento”. Ora, quanto ao segundo, não é assim que se passa, uma vez que a deliberação da assembleia geral apenas pode manifestar a sua desconfiança quanto ao membro nomeado pelo Estado, devendo esta deliberação ser transmitida ao ministro competente. Sublinha-se novamente, de jure condendo, a necessidade de harmonizar as regras aplicáveis aos administradores eleitos e nomeados.
A demissão pode também ocorrer por mera conveniência, sendo que haverá lugar, neste caso a indemnização nos termos do EGP. Desta forma, o artigo 26º do EGP consagra no seu nº 1 que “o conselho de administração, a comissão executiva, o conselho de administração executivo ou o conselho geral e de supervisão podem ser livremente dissolvidos, ou o gestor público livremente demitido, conforme os casos, independentemente dos fundamentos constantes dos artigos anteriores”. Estamos perante um conceito indeterminado o que poderá levar a uma aplicação discricionária do preceito. E se de alguma forma pode haver motivos para desconfiar da nomeação ou eleição do gestor público, poderá também neste caso - e com maior fundamento-, existir razões que permitem tal desconfiança. Assim, e se não for possível demitir um gestor público por motivo justificado – como acima citado – poder-se-á fazê-lo por mera conveniência de serviço, que sendo um conceito indeterminado, pode ter por base qualquer fundamento – inclusive político. Por fim, cabe lembrar que segundo consta no nº 2 deste artigo, a cessação de funções pode ter lugar a qualquer tempo e compete ao órgão de nomeação ou de designação.
A renúncia, por seu turno, encontra-se consagrada no artigo 27º do EGP que estabelece, no seu nº 1 que “o gestor público pode renunciar ao cargo, nos termos da lei comercial”, sendo que esta não carece de aceitação, apenas de comunicação aos órgãos de eleição ou de nomeação.
             
         Finalmente convém ressalvar que quanto à responsabilidade dos gestores públicos, dispõe o artigo 23º do Decreto-Lei nº 71/2007 que “os gestores públicos são penal, civil e financeiramente responsáveis pelos actos e omissões praticados durante a sua gestão, nos termos da lei”. Parece-nos uma solução ajustada, porquanto o anterior diploma que regulava o EGP – Decreto-Lei nº 464/82 – era, quanto a esta matéria, omisso.

         Em jeito conclusivo, cabe apreciar que apesar da revogação do Decreto-Lei nº 464/82 pelo Decreto-Lei nº 71/2007 e das alterações promovidas pelo Decreto-Lei nº 8/2012, são várias as incongruências e as falhas que podem ser apontadas ao actual Estatuto do Gestor Público, sendo para nós mais evidentes as relativas às diferenças de regime aplicável entre administradores nomeados ou eleitos, uma vez que na nossa óptica a sua legitimidade de actuação é idêntica, não sendo por consequência aceitável esta diferença de regime. Ficam portanto da nossa parte algumas considerações relativas à eleição ou nomeação, quanto à remuneração e quanto à cessação do mandato que, apreciando ou não, parecem ter o seu fundamento.
           
            

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