«Oposição impõe cortes nos
gabinetes políticos
PS recusa avançar com
alterações para abranger a Presidência da República
Nova coligação negativa. Toda
a oposição aprovou ontem um diploma do CDS que reduz os vencimentos de membros
de gabinetes governamentais e autárquicos em 5%, ou seja, na mesma percentagem
do corte dos titulares de cargos políticos. O corte de 5% no vencimento dos
titulares de cargos políticos foi uma medida decidida no âmbito do pacote de
austeridade negociado pelo Executivo e pelo PSD de Pedro Passos Coelho, e seria
aprovada na AR por unanimidade. Já quanto ao alargamento defendido pelo CDS, o
Governo e o PS consideraram ser uma medida "demagógica", com o
ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, a afirmar mesmo que se
"trata de trabalhadores que não desempenham uma função política".
Jorge Lacão frisou, ainda, que
a iniciativa viola o princípio da "igualdade", pois "não se
aplica àqueles que integram gabinetes no quadro orgânico da Presidência da
República ou que estão nos gabinetes dos grupos parlamentares da Assembleia da
República".
Vítor Baptista, deputado do
PS, referiu ao DN que a sua bancada não tenciona, no entanto, propor alterações
durante o debate na especialidade, designadamente tendo em vista incluir os
quadros da Presidência e dos grupos parlamentares nestes "cortes" de
vencimentos. "Consideramos a iniciativa do CDS totalmente demagógica, pelo
que não vamos fazer propostas na especialidade", frisou o deputado, que
assim rejeitou o repto lançado por Assunção Cristas, da bancada do CDS, que
tinha mostrado a abertura dos populares para se alargar o regime destes cortes
de vencimentos.
A proposta do CDS defende que
depois de ter sido introduzido um corte nos vencimentos dos políticos - na
segunda versão do PEC - se devia avançar com a mesma redução para os membros
dos gabinetes dos ministros, dos presidentes e vereadores das câmaras
municipais, dos governadores civis e dos gabinetes da Assembleia da República.
Assunção Cristas lembrou ainda
que, apesar de ter sido apresentada como uma medida simbólica, a classe
política tem a obrigação de dar o exemplo.
"Todos sabemos que a
medida de corte dos salários dos políticos é mais simbólica do que proveitosa
do ponto de vista da consolidação orçamental, mas a verdade é que deixar de
fora o staff político de apoio a esses cargos é passar uma mensagem
errada", sustentou, no debate .
A deputada do CDS considerou
que "um chefe de gabinete ou um adjunto são pessoas de nomeação
política", uma vez que ajudam os titulares de cargos políticos "a
exercer a sua função política". Ou seja, o CDS não vê qualquer razão para
estes quadros ficarem fora deste corte de vencimentos.
Apesar de toda a oposição ter
apoiado a iniciativa do CDS, Luís Fazenda, do BE, disse que a bancada popular
tem "falta de autoridade política e moral" para avançar com a medida,
uma vez que Paulo Portas pagava "ordenados principescos" quando era
ministro da Defesa.»
Fonte: Diário de Notícias, 17 de Julho de 2010.
A
presente notícia remete-nos para uma problemática atualíssima, para a qual o
Direito Administrativo não pode fechar os olhos: assistimos à criação de uma
Administração paralela, composta por membros da especial confiança dos
Ministros, a que Vasco Pereira da Silva designou, criativamente, “gorduras do
Governo”. Estas “gorduras” não são, aliás, exclusivas dos Ministérios,
estendendo-se igualmente aos municípios e à Assembleia da República, por
exemplo. Estamos, portanto, perante um tema crucial que, do ponto de vista do
Direito Administrativo, impõe que nos centremos em torno dos Ministérios.
Antes
de mais, esta problemática centra-se em torno da Administração direta, que
exerce a função administrativa através dos órgãos do Estado enquanto pessoa
coletiva. O Governo é, por sua vez, o órgão primário da Administração direta,
do qual fazem parte os Ministérios, constituídos pelos respetivos gabinetes.
Chegamos, deste modo, sistematicamente, ao ponto crucial do tema em discussão: é
precisamente nos gabinetes dos Ministérios que se concentram grande parte das
“gorduras do Governo”.
O atual
Governo constitucional, procurando por um termo às controvérsias geradas em
torno dos Gabinetes ministeriais, aprovou recentemente o DL nº11/2012[2] e o DL
nº12/2012[3], acerca da composição, da orgânica e do regime jurídico dos
gabinetes dos membros do Governo e do Primeiro-Ministro.
O DL nº
11/2012 transparece, desde logo, o intuito de amenizar, atualizando o regime
dos gabinetes, a polémica gerada em seu torno. No entanto, nem por isso
deveremos descartar a análise mais aprofundada do DL. Assim, nos primeiros
artigos, verificamos que o gabinete é composto por diversos membros que apoiam
a atividade política do Governo, coadjuvando-o no exercício das suas funções
(art.s 2º e 3º).
A
referência aos secretários pessoais dos ministros (art. 3º) é, para o tema em
apreço, intrigante, visto que são livremente designados e exonerados (art.
11º), salvo quando se verifiquem os limites estipulados no artigo 4º, que,
curiosamente, não se aplicam aos secretários pessoais.
Os
secretários pessoais prestam, de acordo com o art. 6º/3, apoio ao membro do
Governo e ao respetivo gabinete. Este “apoio”, por determinar, justifica, por
sua vez, a existência de secretários pessoais não só nos gabinetes dos
ministros, como também nos gabinetes dos secretários e subsecretários de Estado
(art. 4º/ 1, 2 e 3). Por outro lado, como consequência deste “apoio”, os secretários
pessoais gozam de algumas “regalias”, pelo que lhes fica assegurado,
designadamente, o regresso à situação jurídico-funcional que exerciam
anteriormente e o usufruto dos benefícios sociais que possuíam na sua
originária situação profissional. As “regalias” de que gozam os membros do
gabinete não se limitam, aliás, ao artigo 11º, visto que também o artigo 13º
contém disposições que suscitam alguma controvérsia, nomeadamente, a somar com
as “garantias” do artigo 11º, o “direito de opção” pelo estatuto remuneratório
correspondente ao trabalho de origem (art.11/ 8).
Os gabinetes políticos constituem entidades
estranhas aos Ministérios, tal como a breve análise do DL nº11/2012 permite
concluir. Para além deste, também do DL nº12/2012 permitir-nos-á chegar a semelhante
conclusão: à existência de secretários pessoais - quinze, no Gabinete do Primeiro-Ministro
(DL nº12/2012) – somam-se, consequentemente, dúvidas quanto aos mecanismos de
controlo aplicáveis aos gabinetes políticos. Vasco Pereira da Silva levantou,
aliás, a hipótese de se tratar de uma inconstitucionalidade.
Em
síntese, a existência destes gabinetes transporta-nos para um “limbo” em termos
de funcionamento democrático, que levanta sérios problemas, pelo que deve ser discutido
pelos estudiosos do Direito Administrativo.