sábado, 24 de novembro de 2012

Dois milhões de euros para as vítimas do mau tempo no Algarve

A primeira estimativa dos prejuízos apontava para dois milhões e 290 mil euros.


O Governo tem dois milhões de euros para apoiar as famílias afetadas pelas fortes intempéries que se fizeram sentir nos concelhos de Silves e Lagoa há uma semana, anunciou hoje o secretário de Estado, Marco António Costa.
O valor do fundo foi divulgado ao final da manhã de hoje, após uma reunião realizada no Centro Distrital da Segurança Social em que participaram os autarcas dos municípios de Silves e Lagoa assim como o Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social e o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve.
Marco António Costa considera que o valor daquele fundo de emergência vai ser suficiente porque, apesar da primeira estimativa dos prejuízos provocados pelo mau tempo apontarem para os dois milhões e 290 mil euros, a intervenção das seguradoras irá assumir parte importante da verba.
 

Recuperação de prédios públicos 

"A intervenção dos seguros, que sabemos que é muito significativa porque há muitas coisas cobertas, significa que os dois milhões de euros que dotámos excecionalmente para cobrir todas as situações que se justifiquem socialmente são mais que suficientes para apoiar as famílias", afirmou o Secretário de Estado.
Na próxima segunda-feira, os técnicos dos serviços sociais dos municípios de Silves e Lagoa vão reunir com os técnicos do Centro Distrital da Segurança Social para analisar e concluir os regulamentos do processo. Marco António Costa aconselhou os cidadãos afetados a contactarem os serviços municipais durante a próxima semana para dar início aos pedidos de apoio.
Questionado sobre o processo de recuperação dos edifícios públicos danificados pelo mau tempo, o autarca de Silves, Rogério Pinto, disse que as "coisas estão bem encaminhadas" admitindo que a recuperação do telhado das piscinas municipais vai ser a obra mais morosa.
O autarca adiantou ainda que a breve trecho espera ter condições para abrir ao público o ginásio e a sala de 'fitness' do complexo das piscinas municipais. O Governo aprovou na quinta-feira, em Conselho de Ministros, uma resolução que permite aos municípios de Silves e Lagoa aceder ao Fundo de Emergência Municipal, podendo aumentar o seu endividamento, o que implica alterar a proposta de Orçamento do Estado para 2013.


Fonte: Expresso

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Relações jurídico-administrativas

No âmbito do Direito Administrativo, surge-nos, com frequência, a ideia de relação jurídico-administrativa. Importa, neste contexto, apreender em que consiste tal situação relacional, nomeadamente, quais os seus intervenientes e em que qualidade os mesmos intervêm, sem esquecer os limites impostos a tal relação.
O nosso ordenamento jurídico concebe o sentido de relação jurídica, decorrente do Direito Civil, como o relacionamento entre dois ou mais sujeitos, que assumem diferentes posições, activas ou passivas, regulado por normas jurídicas. No caso especial da relação jurídico-administrativa um dos sujeitos há-de ser a Administração, conforme refere MARCELLO CAETANO. Neste seguimento, a actividade levada a cabo pelas entidades administrativas e pelos particulares, não pode deixar de se desenvolver num contexto relacional que, sendo regulado por normas de Direito Público, dá origem a relações jurídicas de Direito Administrativo.
A ser assim, as relações jurídicas designadas de Direito Administrativo são relações jurídicas públicas, uma vez que, pelo menos um dos sujeitos, será uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, este último conferido com vista à realização de um interesse público legalmente estabelecido.
 O conceito de relação jurídica, para alguns autores, pode ser tomado em diversos sentidos:
 
·         Sentido subjectivo; tratar-se-ia de relação jurídica administrativa qualquer relação jurídica em que interviesse a Administração Pública. Nesta situação, o relevante não seria o direito chamado a regular o caso ou a forma de actuação da Administração Pública, mas apenas a sua presença
 
·         Sentido objectivo: relação jurídica administrativa seria a relação onde se pudesse verificar a intervenção de entidades públicas, mas apenas quando estas relações fossem reguladas pelo Direito Administrativo. Neste sentido, daqui seriam excluídas algumas relações jurídicas em que interviesse a Administração Pública e seriam incluídas relações em que não entra a Administração Pública, como é o caso das relações em que interviessem entidades privadas legalmente dotadas de poderes públicos
 
·         Sentido funcional: o que é releva para saber se estamos perante uma relação jurídica administrativa é verificar se a entidade envolvida na relação está a praticar ou não uma função administrativa
 
 A história do que vem a ser a relação jurídico-administrativa sofreu alterações visíveis, designadamente no que concerne às posições/situações jurídicas das partes.
Numa fase mais remota, as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares eram entendidas como relações assimétricas, com desigualdade entre ambos os sujeitos da relação. À posição da Administração, dotada de um poder administrativo decorrente de uma norma de direito objectivo, corresponderia um interesse do particular, mas não um direito.
Mais recentemente, assistiu-se a um crescimento na relevância da relação jurídico-administrativa. Os particulares passaram a ser vistos como titulares de direitos (constitucionais!) perante a Administração, e os seus interesses passaram a ser dignos de protecção legal. Perante isto, surge uma nova concepção de relação fundada em que o particular surge com mais força e com maior possibilidade de exigir os seus direitos.
Nos dias de hoje, pensa-se um Direito Administrativo em que o indivíduo é considerado o centro de imputação de direitos a que a Administração não pode deixar de atender. A própria Constituição da República Portuguesa se encarregou de consagrar direitos dos cidadãos, outrora súbditos, nas palavras de OTTO MAYER.
Se agora os particulares são titulares de direitos, o contra-pólo serão os deveres assumidos pela Administração, o que conduziu a uma posição de tendencial paridade. Nas palavras, HAEBERLE, a relação jurídica administrativa é o sintoma da proximidade do cidadão da Administração.
Já não nos encontramos na “era” do actocentrismo, embora tal não significa menosprezar o acto administrativo, mas antes num período de uma nova lógica de actuação da Administração. Longe vão os tempos em que a Administração era apenas poder e o cidadão mero súbdito. Actualmente, poder-se-á falar de uma relação horizontal, que veio substituir uma relação vertical, em que a Administração se encontrava em patamar de superioridade.
Uma das melhores formas de concluir quanto ao exposto, requer a análise da disciplina do contrato entre a Administração e os cidadãos, pelo Direito Administrativo.
Esta disciplina tem evoluído: acentua-se uma posição cada vez mais paritária entre os intervenientes, a ponto de a podermos hoje caracterizar em larga medida como uma relação entre partes tendencialmente iguais, pois que o cidadão surge perante a Administração dotado de direitos ao mesmo tempo que aquela surge perante o cidadão dotada de deveres que lhe impõem o cumprimento das vinculações legais com implicações procedimentais e processuais.
Concluindo, a evolução ocorreu num sentido de conferir maior atendibilidade aos particulares e seus direitos, fruto, tanto de uma evolução legislativa, como de uma alteração da forma de actuação da Administração, que não deixa de ser consequência da modificação legal.
 
 
 
 
 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

"Gorduras do Governo" (continuação)


Na sequência do tema "gorduras do Governo" partilho convosco duas outras notícias que considero importantes:
"Passos anuncia novas regras para gestores, institutos e gabinetes ministeriais
O primeiro-ministro anunciou hoje que o Governo vai aprovar na próxima semana alterações ao estatuto dos gestores públicos e novas regras relativas aos institutos públicos e gabinetes ministeriais que constituem uma «mudança de regime».
Pedro Passos Coelho disse que a intenção do Governo é que os lugares da Administração Pública sejam preenchidos segundo uma escolha «que esteja muito para além da questão da confiança política e que envolva o mérito, independentemente da área partidária» dos candidatos.

«Até 2013 haverá concursos públicos para prover aqueles lugares em termos diferentes do que aconteceu até hoje», assegurou o primeiro-ministro, que falava durante uma conferência promovida pelo Diário Económico, num hotel de Lisboa.
Passos Coelho afirmou que o objectivo do Governo PSD/CDS-PP é «acabar com esta ideia de um Estado paralelo que é construído dentro dos gabinetes dos ministros e dos secretários de Estado e que desqualifica a Administração», impondo que assessores e adjuntos sejam recrutados «na Administração Pública».
Segundo o primeiro-ministro, é preciso evitar «que cada vez que um Governo é substituído ou uma equipa ministerial é substituída todo o saber, toda a competência saia com os titulares desses lugares» e fazer com que esta permaneça «na Administração para que seja efectivamente do Estado e não do Governo».
Passos Coelho adiantou que «relativamente às empresas públicas e aos institutos públicos» o Governo vai actuar «reduzindo o número de administradores: onde são sete deverão passar para cinco, senão mesmo para três, onde são cinco deverão passar para três».
Quanto a remunerações, o primeiro-ministro disse que, «em todas as áreas que estão protegidas do mercado», estas serão indexadas às «do Presidente da República ou do primeiro-ministro» e que, no caso das «empresas do Estado que estejam em concorrência», será permitido, «durante um tempo a estipular, que os rendimentos médios auferidos possam ser preferidos».
Segundo Passos Coelho, trata-se de «uma mudança de regime completa relativamente a tudo aquilo que tem sido observado».
«E a forma como o Estado manterá a sua disposição de se retirar de uma grande parte dos negócios da economia complementa esta visão de que o Estado não existe, na nossa acepção, para ter muitas empresas. O que o Estado deve é regular bem o papel da economia. Essa é a sua função, essa deve ser a regra, as empresas públicas devem ser a excepção, e não o contrário», defendeu."

Fonte: Lusa/SOL


«Passos Coelho anuncia novas regras para gestores públicos, institutos e gabinetes ministeriais

O primeiro-ministro anuncia que o Governo vai aprovar na próxima semana alterações que constituem uma "mudança de regime"

O primeiro-ministro anunciou hoje que o Governo vai aprovar na próxima semana alterações ao estatuto dos gestores públicos e novas regras relativas aos institutos públicos e gabinetes ministeriais que constituem uma "mudança de regime".
Pedro Passos Coelho disse que a intenção do Governo é que os lugares da Administração Pública sejam preenchidos segundo uma escolha "que esteja muito para além da questão da confiança política e que envolva o mérito, independentemente da área partidária" dos candidatos.

"Até 2013 haverá concursos públicos para prover aqueles lugares em termos diferentes do que aconteceu até hoje", assegurou o primeiro-ministro, que falava durante uma conferência promovida pelo Diário Económico, num hotel de Lisboa.»

Fonte: Visão

Administração, quem és tu?

Administração Pública… Essa figura que, numa primeira abordagem, nos parece tão simples e fácil de designar (afinal, espontaneamente, qualquer pessoa tem uma noção do que ela seja, referindo-a como a entidade que assegura os interesses dos cidadãos), mas que após algumas reflexões nos conduz a um misticismo assustador. E esta zona outrora clara, agora sombrosa, só tende a clarear quando associada com demais elementos que nos permitem decifrar, afinal, o que é a Administração Pública.  
 
Nos escritos de AFONSO QUEIRÓ podemos encontrar um bom ponto de partida: a concretização do termo administrar. A origem do conceito remonta às expressões latinas ad ministrare, que significa servir, e ad manus thahere, isto é, manejar. Assim, o Professor, administrar mais não seria do que “agir ao serviço de determinados fins e com vista a realizar certos resultados”. Mas, questiono-me: não agimos todos movidos para realização de fins pessoais? Não é toda a nossa conduta orientada para a obtenção de determinados resultados previamente, talvez até de forma inconsciente, estabelecidos? Ora, parece óbvio que estas nossas condutas não se possam reconduzir ao conceito de Administração. Precisamente tendo em conta tal indeterminação, JOÃO CAUPERS vem dizer que a expressão Administração só pode ser compreendida quando inserida no contexto de um agregado humano, pelo que, nas suas palavras, “administrar é algo que passa por estruturar um grupo humano em função dos fins que este se propõe atingir”. Partindo desta concepção, tende a concluir-se que a Administração envolveria uma organização que exige uma comunhão de esforços e de recursos, com vista à satisfação de interesses de uma comunidade.
Traduzir-se-ão estes interesses em necessidades? FREITAS DO AMARAL entende que, a Administração se reconduziria a um conjunto complexo de actividades conducentes à satisfação das necessidades colectivas. Desta forma, onde quer que se encontrasse uma manifestação intensa de necessidades colectivas, aí surgiria um serviço público destinado a dar-lhes resposta. A Administração teria, assim, como objectivo a satisfação das necessidades colectivas, através do funcionamento de um conjunto de organizações a esse fim destinadas.
Duas questões aqui me surgiram:
O que será esse interesse público e qual a sua origem?
Que organizações são essas?
 
1.      Parece lógico que o interesse público se reconduz ao interesse de um todo, mas o que suscita dúvidas maiores é a origem desse interesse. Como será possível congregar e satisfazer o interesse de cada um em particular, uma vez que cada indivíduo terá interesses próprios e divergentes dos demais? A resposta reside na lei. Entende-se que cabe à lei, produto do poder legislativo, a definição dos interesses públicos que a Administração deve prosseguir.
 
2.      Para encontrar a resposta a esta questão, cumpre salientar que existem, entre nós, duas maneiras de entender a Administração: em sentido orgânico e em sentido material. No primeiro caso, a Administração representa o conjunto das organizações, sendo que o Estado as encabeça; no segundo, também possivelmente designado como sentido institucional ou funcional, pensamos no simplesmente no fim prosseguido, a utilidade pública, o interesse público.
           
Bem, foi possível chegar à conclusão que a Administração tem como função a prossecução de actividades tendentes à satisfação dos interesses do colectivo, contando com a actuação de diversas entidades, na qual o Estado é o centro. Por força da lei, que se encarrega de definir o que seja o interesse público, somos forçados a entender que o interesse público se traduz na soma dos interesses particulares, originando um todo.
Agora, um pouco mais esclarecida a questão que dá título a este texto, surgem novas dúvidas inquietantes… Se pertence ao poder legislativo, grupo restrito de indivíduos, estabelecer o que é o interesse público, serão, realmente, todos os interesses atendidos?

"As gorduras do Governo"


 «Oposição impõe cortes nos gabinetes políticos

PS recusa avançar com alterações para abranger a Presidência da República

Nova coligação negativa. Toda a oposição aprovou ontem um diploma do CDS que reduz os vencimentos de membros de gabinetes governamentais e autárquicos em 5%, ou seja, na mesma percentagem do corte dos titulares de cargos políticos. O corte de 5% no vencimento dos titulares de cargos políticos foi uma medida decidida no âmbito do pacote de austeridade negociado pelo Executivo e pelo PSD de Pedro Passos Coelho, e seria aprovada na AR por unanimidade. Já quanto ao alargamento defendido pelo CDS, o Governo e o PS consideraram ser uma medida "demagógica", com o ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, a afirmar mesmo que se "trata de trabalhadores que não desempenham uma função política".
Jorge Lacão frisou, ainda, que a iniciativa viola o princípio da "igualdade", pois "não se aplica àqueles que integram gabinetes no quadro orgânico da Presidência da República ou que estão nos gabinetes dos grupos parlamentares da Assembleia da República".
Vítor Baptista, deputado do PS, referiu ao DN que a sua bancada não tenciona, no entanto, propor alterações durante o debate na especialidade, designadamente tendo em vista incluir os quadros da Presidência e dos grupos parlamentares nestes "cortes" de vencimentos. "Consideramos a iniciativa do CDS totalmente demagógica, pelo que não vamos fazer propostas na especialidade", frisou o deputado, que assim rejeitou o repto lançado por Assunção Cristas, da bancada do CDS, que tinha mostrado a abertura dos populares para se alargar o regime destes cortes de vencimentos.
A proposta do CDS defende que depois de ter sido introduzido um corte nos vencimentos dos políticos - na segunda versão do PEC - se devia avançar com a mesma redução para os membros dos gabinetes dos ministros, dos presidentes e vereadores das câmaras municipais, dos governadores civis e dos gabinetes da Assembleia da República.
Assunção Cristas lembrou ainda que, apesar de ter sido apresentada como uma medida simbólica, a classe política tem a obrigação de dar o exemplo.
"Todos sabemos que a medida de corte dos salários dos políticos é mais simbólica do que proveitosa do ponto de vista da consolidação orçamental, mas a verdade é que deixar de fora o staff político de apoio a esses cargos é passar uma mensagem errada", sustentou, no debate .
A deputada do CDS considerou que "um chefe de gabinete ou um adjunto são pessoas de nomeação política", uma vez que ajudam os titulares de cargos políticos "a exercer a sua função política". Ou seja, o CDS não vê qualquer razão para estes quadros ficarem fora deste corte de vencimentos.
Apesar de toda a oposição ter apoiado a iniciativa do CDS, Luís Fazenda, do BE, disse que a bancada popular tem "falta de autoridade política e moral" para avançar com a medida, uma vez que Paulo Portas pagava "ordenados principescos" quando era ministro da Defesa.»

Fonte: Diário de Notícias, 17 de Julho de 2010.



                A presente notícia remete-nos para uma problemática atualíssima, para a qual o Direito Administrativo não pode fechar os olhos: assistimos à criação de uma Administração paralela, composta por membros da especial confiança dos Ministros, a que Vasco Pereira da Silva designou, criativamente, “gorduras do Governo”. Estas “gorduras” não são, aliás, exclusivas dos Ministérios, estendendo-se igualmente aos municípios e à Assembleia da República, por exemplo. Estamos, portanto, perante um tema crucial que, do ponto de vista do Direito Administrativo, impõe que nos centremos em torno dos Ministérios.
                Antes de mais, esta problemática centra-se em torno da Administração direta, que exerce a função administrativa através dos órgãos do Estado enquanto pessoa coletiva. O Governo é, por sua vez, o órgão primário da Administração direta, do qual fazem parte os Ministérios, constituídos pelos respetivos gabinetes. Chegamos, deste modo, sistematicamente, ao ponto crucial do tema em discussão: é precisamente nos gabinetes dos Ministérios que se concentram grande parte das “gorduras do Governo”.
                O atual Governo constitucional, procurando por um termo às controvérsias geradas em torno dos Gabinetes ministeriais, aprovou recentemente o DL nº11/2012[2] e o DL nº12/2012[3], acerca da composição, da orgânica e do regime jurídico dos gabinetes dos membros do Governo e do Primeiro-Ministro.
                O DL nº 11/2012 transparece, desde logo, o intuito de amenizar, atualizando o regime dos gabinetes, a polémica gerada em seu torno. No entanto, nem por isso deveremos descartar a análise mais aprofundada do DL. Assim, nos primeiros artigos, verificamos que o gabinete é composto por diversos membros que apoiam a atividade política do Governo, coadjuvando-o no exercício das suas funções (art.s 2º e 3º).
                A referência aos secretários pessoais dos ministros (art. 3º) é, para o tema em apreço, intrigante, visto que são livremente designados e exonerados (art. 11º), salvo quando se verifiquem os limites estipulados no artigo 4º, que, curiosamente, não se aplicam aos secretários pessoais.
                Os secretários pessoais prestam, de acordo com o art. 6º/3, apoio ao membro do Governo e ao respetivo gabinete. Este “apoio”, por determinar, justifica, por sua vez, a existência de secretários pessoais não só nos gabinetes dos ministros, como também nos gabinetes dos secretários e subsecretários de Estado (art. 4º/ 1, 2 e 3). Por outro lado, como consequência deste “apoio”, os secretários pessoais gozam de algumas “regalias”, pelo que lhes fica assegurado, designadamente, o regresso à situação jurídico-funcional que exerciam anteriormente e o usufruto dos benefícios sociais que possuíam na sua originária situação profissional. As “regalias” de que gozam os membros do gabinete não se limitam, aliás, ao artigo 11º, visto que também o artigo 13º contém disposições que suscitam alguma controvérsia, nomeadamente, a somar com as “garantias” do artigo 11º, o “direito de opção” pelo estatuto remuneratório correspondente ao trabalho de origem (art.11/ 8).
                 Os gabinetes políticos constituem entidades estranhas aos Ministérios, tal como a breve análise do DL nº11/2012 permite concluir. Para além deste, também do DL nº12/2012 permitir-nos-á chegar a semelhante conclusão: à existência de secretários pessoais - quinze, no Gabinete do Primeiro-Ministro (DL nº12/2012) – somam-se, consequentemente, dúvidas quanto aos mecanismos de controlo aplicáveis aos gabinetes políticos. Vasco Pereira da Silva levantou, aliás, a hipótese de se tratar de uma inconstitucionalidade.
                Em síntese, a existência destes gabinetes transporta-nos para um “limbo” em termos de funcionamento democrático, que levanta sérios problemas, pelo que deve ser discutido pelos estudiosos do Direito Administrativo.


[2]DL nº12/2012. Disponível em http://www.dgap.gov.pt/upload/Legis/2012_dl_12_20_01.pdf [21:00];
[3]DL nº11/2012. Disponível em http://www.dgap.gov.pt/upload/Legis/2012_dl_11_20_01.pdf [21:00].

quarta-feira, 21 de novembro de 2012




A RTP vai deixar de receber dinheiro do Estado e passará a ser financiada apenas pela taxa de audiovisual e pela publicidade. A informação foi dada esta tarde, no Congresso das Comunicações, por um administrador da televisão pública. Na mesma altura, os representantes das duas televisões privadas voltaram a afirmar que é um erro privatizar a RTP.

António Beato Teixeira diz que "O serviço público de televisão, rádio e media não está em causa."

 

 

Cabe no entanto questionar em que medida se encontra ou não condicionada a garantia Constitucional da existência  de um serviço público de rádio e televisão consagrado no art. 38.º n.º 5 CRP quando o financiamento do serviço fica dependente de publicidade e da taxa audiovisual.1 Ou seja, a dependência do financiamento publicitário irá provavelmente degradar um serviço público prestado nos moldes que a televisão privada não fornece, isto é, numa vertente mais cultural e informativa. Consequentemente choca-se com a taxa audiovisual cujos valores são frequentemente alcançados com uma programação sensacionalista e de entretenimento menos direccionada para a cultura.
Verifica-se então o risco de passar a existir uma linha de canais (rádio inclusive) homogéneos, quanto aos serviços prestados, numa prática de canal aberto.



Jaime Espanhol Figueiredo  22192

 

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Os Direitos Sociais e o problema da densificação (II)

 Os direitos sociais estão constitucionalmente consagrados e são muito importantes na vida quotidiana da comunidade, pelo que é ao nível da Constituição que o tema deve ser tratado.
 Compreende-se, no entanto, a tendência governamental (como sucede com o actual Governo) de usar a via meramente legal para definir a sua política quanto a este tópico. Tal sucede por duas razões principais, uma vez que é mais difícil e demorado processar o problema a nível supra legal, e as soluções seriam vincadamente mais compromissórias (o que eu não considero problemático, desde que não suceda bloqueio sistemático e o espírito seja de cooperação estratégica, requisitos que não estão actualmente inequivocamente reunidos), e a segunda razão prende-se com a própria natureza constitucional, sendo desproporcionado equacionar nova revisão a cada ajustamento da política de prestações estatais. No entanto, como hierarquicamente a Constituição prevalece sobre a lei, é a esse nível que procurarei analisar a questão.
 A Constituição deve enformar a vida jurídica da comunidade, no entanto, confrontada com a impossibilidade (financeira, sobretudo), a CRP corre o risco de perder parte da sua eficácia. Ao não tratar diferenciadamente a impossibilidade do incumprimento (questão difícil de concretizar mas cujos quadros mentais encontram-se profundamente estabelecidos no Direito Privado), acarreta uma camada adicional de insegurança jurídica.
 O actual Governo, provavelmente mais por cautela política do que por convicção, procura que a sua actuação nesta área não tome a forma de lei de revisão constitucional, no entanto, medidas do tipo das que estão previstas suscitarão pedidos ao Tribunal Constitucional para verificação da sua conformidade com a Constituição. Na minha opinião, a CRP terá de ser revista, e os actores políticos terão de agir concertadamente e com sensibilidade social, adaptando o paradigma da actuação social estatal ,conferindo nova dinâmica à Constituição deste país, contribuindo decisivamente para que esta garanta os interesses legítimos dos cidadãos.
 Outro aspecto decisivo neste processo seria a ponderação sobre a estrutura e funcionamento do Tribunal Constitucional, mas cujo aprofundamento é matéria que transcende o mero Direito Administrativo.
 Um ponto de partida interessante seria, por exemplo, estabelecer uma correlação entre as prestações sociais e o Orçamento estatal, e mais uma vez é um problema de densificação. Reconheço também que qualquer solução deste tipo enfrenta obstáculos importantes: as prestações sociais do Estado crescem a um ritmo mais rápido do que as receitas ( e a base deste raciocinio é a demografia), alargando inexoravelmente o fosso; tendencialmente, as soluções mais abruptas pecam por injustiça social, e sem conscencialização nem apoio popular qualquer movimentação política neste sentido falhará, arrastando indefinidamente o debate.
 A Constituição de 1976, texto da Revolução e adaptada à nossa evolução democrática, não pode, sob pena de inutilizar parte dos seus preceitos, cristalizar "ad eternum" as suas opções. Não é por se ignorar (intencionalmente) um problema que ele deixa de ser relevante, e quanto mais tempo passar, mais radical, injusta e inaceitável a solução será. Os entitlements e as restantes prestações sociais são uma conquista essencial, a preservar dentro do possível, sendo também importante a optimização da afectação dos recursos financeiros e humanos.

Os Direitos Sociais e o problema da densificação (I)

Hoje muito em voga, os direitos sociais constituem um avanço civilizacional, uma garantia do Estado social aos seus cidadãos. Com a expressão direitos sociais, para o âmbito deste textos, englobarei também os restantes direitos económicos e culturais.
 Nos primeiros tempos do Direito Administrativo esta problemática, hoje central e fatal, não se colocava. O primeiro tipo de Estado a autonomizar juridicamente a Administração foi o Estado liberal, minimalista por natureza na sua intervenção social. O fulcro da sua existência era assegurar os direitos políticos fundamentais  à comunidade, não se considerando adstrito à consagração e concretização dos direitos sociais, culturais e económicos, os quais, para relativizar esta lacuna na actuação estatal, estavam pouco desenvolvidos dogmaticamente. Cabe dizer que este absentismo social do Estado foi-se amenizando com o avançar do século XIX, e a Revolução Industrial,ao acentuar exponencialmente o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, foi decisiva no incremento da "acção social" do Estado.
 É vulgar localizar a primeira manifestação do que depois seria o Estado Social na Prússia (posteriormente Alemanha) de Bismarck, que, para diminuir as tensões sociais num país em rápida industrialização, estabeleceu a primeira política de atribuição de direitos e regalias sociais aos trabalhadores. No entanto, este Estado era autoritário, um Império centrado no kaiser. Os Estados liberais só adoptam plenamente as políticas sociais no século XX, e com colossais diferenças entre os diversos países.
 Considero que o Beveridge Report (Reino Unido, 1942, base do welfare state implementado no pós-guerra) e o Second Bill of Rights (Estados Unidos da América, 1944, conjunto de medidas sociais propostas por Roosevelt) são os momentos mais decisivos na política social subsequente na maioria dos Estados ocidentais, por simbolizarem um novo paradigma de poder público, inaugurando, em grande medida, o "Estado prestacional".
 Quanto ao panorama estritamente português na actualidade (mas que se assemelha ao da maioria dos países europeus). Os direitos sociais estão constitucionalmente consagrados mas, em virtude do carácter programático destas normas, e da necessária margem de manobra do legislador ordinário, carecem de densificação para que se tornem pragmaticamente operacionais, e a principal obrigação que a nossa Constituição acarreta a este nível é a de legislar. Quanto a qualquer salutar referência a um limite mínimo que o Estado se pode arrogar a prestar, é já um problema de densificação normativa e, ulteriormente, um problema de interpretação da Constituição pelo próprio Tribunal Constitucional.
 Toda a controvérsia dos direitos sociais orbita em torno da "densificação". Esta é uma actividade indispensável na concretização dos direitos sociais, e é prerrogativa do Governo. Assim, está sujeita, como qualquer acto do Governo, a fiscalização da constitucionalidade.
 Foram avançados alguns conceitos para parametrizar a actuação da Constituição, nomeadamente o do não retrocesso social. Este critério, puramente doutrinal, tem inerente uma de duas opções: - ou uma visão linear positiva do panorama económico e da capacidade orçamental do Governo, que resulta manifestamente desligada do real, ou uma concepção financeira extraordinariamente optimista dos cofres do Estado, tidos como capazes de garantir em aboluto uma melhoria ad eternum. Além das considerações já feitas, o próprio conceito é indeterminado e pouco comensurável, pressupondo uma capacidade analítica enorme. Além disso, qualquer critério puramnete doutrinal é de pouca valia numa área socialmente tão relevante. Concluindo, apesar de bem-intencionado, tal critério é demasiado rígido e abstracto para ser fundamento de obrigações jurídicas que contribuam para solucionar o problema.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Direito Administrativo e Política

O Direito Administrativo como ramo de Direito nasceu de uma decisão política, dos Governos. Foi criado com um intuito, assegurar a prossecução (eficaz) do interesse público.
 Nenhum princípio de Direito Natural nem nenhum postulado lógico-dedutivo obrigam à sua existência (como área autónoma) ou decretam uma evolução tendencial.
 Surgiu, como ramo jurídico a se, na Revolução Francesa, ao mesmo tempo que se proclamava a liberdade, igualdade e fraternidade. No entanto, não se pode afirmar que tenha sido uma emanação da nação soberana. Claramente afastava-se dos princípios liberais, sendo nítida a influência das necessidades conjunturais daquela época turbulenta, bem como de soluções próximas, por vezes, das absolutistas.
 O Direito Administrativo francês deste período é caracterizado, nomeadamente por Vasco Pereira da Silva, como "criação de um direito privativo da Administração", e assim, este autor e grande parte da doutrina transparecem que, nos seus primórdios, o Droit Administrátif não era, por referência ao conceito ocidental  contemporâneo, verdadeiro Direito. Resultava de uma peculiar (distorcida, por motivos não relevantes para este artigo) interpretação do princípio da separação dos poderes: num tempo de ruptura política, cisão social e mudança de paradigmas, o poder da Administração sobrepunha-se e legitimava a actuação da Justiça (pelo menos no relativo à Administração), menos permeável à inovação e, assim, mais identificada com o Antigo Regime.
 Actualmente os Governos não podem deixar de ser fiscalizados pelo poder judicial, no tempo da Revolução Francesa sucedia o oposto: a Administração julgava-se a si mesma e o princípio da legalidade era menos restritivo do que hoje em dia.
Vasco Pereira da Silva refere-se habitualmente à primeira fase deste ramo de Direito como "infância traumática", e a imagem é sugestiva. O propósito da sua criação é a prossecução do interesse público ( e a regulação jurídica da actuação administrativa), sendo um fim legítimo e necessário. No entanto, os meios não foram idóneos, e um dos exemplos mais citado é o "caso Blanchot", que demonstra paradigmaticamente as dificuldades de compatibilização entre a teoria e a realidade neste ramo recente: para optimizar os seus fins, a comunidade  institui o Estado e elege os seus representantes (soberania popular), e o Estado cria, para prosseguir eficazmente o interesse público, o Direito Administrativo, que muitas vezes entra em conflito com os interesses dos particulares, denegando os seus direitos, que ao Estado cabe proteger.
 O Direito Administrativo começou por ser uma área política quase-jurídica (embora legal e com pretensões de juridicidade plena) que, progressivamente e por factores predominantemente não-jurídicos, se jurisdicizou, e ainda hoje permanece como um dos ramos jurídicos mais umbilicalmente ligados à cúpula político-administrativa do Estado.  
 Marcelo Rebelo de Sousa afirma que uma das características principais deste direito é ser "conjunturalmente mutável", estando em "acentuada dependência em relação às grandes concepções e também às estruturas políticas, económicas, sociais e culturais do seu tempo, mais do que sucede no Direito Privado.
 Da análise da criação e evolução do Direito Administrativo depreende-se uma estrutura anomalamente maleável em relação à maioria dos outros ramos jurídicos (sobretudos os não-públicos).
 Certamente pela sua visão do tema, e por serem mais juristas do que políticos, muitos autores, como Freitas do Amaral, dão primazia à juridificação da Administração, o que, sendo o mais correcto do prisma juscientífico, desconsidera factores não jurídicos que, muitas vezes, inflectem substancialmente o panorama jurídico vigente, retirando assim capacidade prospectiva à análise.
 A Administação evoluiu na forma como interage com a sociedade, e foi ultrapassada a dicotomia redutora administrador/administrados. Poderá um Governo (com o indispensável apoio de uma maioria parlamentar), modificar o enquadramento jurídico geral da sua actuação? Terá legitimidade (conceito jurídico) para alargar substancialmente a sua competência? Terá poder (conceito sociológico) para restingir o núcleo da sua acção ou, noutra formulação, mudar o paradigma administrativo?
 A Constituição Portuguesa de 1976 centra o tratamento da Administração Pública no seu título IX (artigos 266 a 272). O 266,1 CRP equilibra objectivismo e subjectivismo (bem como o 267,5 CRP), almejando ser ideologicamente neutro e socialmente justo ( sendo que a eficácia é, neste campo, factor de justiça) A providência cautelar, fundamental na defesa dos interesses dos particulares, é consagrada no 268,4 e 268,5 CRP.
 O tratamento constitucional desta disciplina é, como já foi referido, moderado ideologicamente, e a Constituição confere ao legislador uma considerável (e imprescindível) discricionariedade, ao mesmo tempo que permite aos particulares impugarem "preventivamente" tudo o que de novo surgir .A ponderação destas duas forças contrárias recairá, muitas vezes, no Tribunal Constitucional.
 O Governo muda a cada quatro anos, e o rumo político é ainda mais instável e flutuante, e poucos factores contribuem para garantir que o Direito Administrativo seja menos oscilante do que as direcções políticas.