sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Breve análise ao Estatuto do Gestor Público [Parte 1]


Em introdução ao tema em estudo será sempre de salientar que qualquer que seja a visão sobre o papel do Estado, essa dependerá sempre de razões ideológicas que poderão estar subjacentes a um amplo sector empresarial do Estado, ou, ao invés a uma concepção desse papel que levará sempre ao desmantelamento deste sector, causado pela alienação do mesmo. Ainda assim, independentemente da perspectiva adoptada relativamente à amplitude da intervenção económica do Estado, a existência de um sector empresarial do Estado será sempre uma realidade na política económica. É, por isso, nosso objectivo fazer uma análise fáctica e isenta de qualquer tendência ideológica, ressalvando sempre que o Direito Administrativo depende (como sempre dependerá) da acção política levada a cabo.
         Desta forma, com este trabalho pretendemos fazer uma breve análise à evolução do Estatuto do Gestor Público. Com efeito, será necessária uma primeira contextualização ao Regime Geral do Sector Empresarial do Estado.
            Em primeiro lugar, cabe compreender onde se inserem as Entidades Públicas Empresarias – E.P. E. – no esquema orgânico estadual. As referidas pertencem à Administração indirecta sob forma púbica do Estado. Desta forma o Estado exerce sobre as supra citadas poderes de superintendência e tutela. O Decreto- Lei nº 71/2007 define no nº 1 do seu artigo 1º - remetendo para o artigo 3º do Decreto-Lei nº558/99 - quais os critérios para definição para uma Empresa Pública, baseando-se num critério de influência dominante do Estado nas mesmas. Os referidos critérios são a “detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto e o direito de designar ou de destituir a maioria dos órgãos de administração ou de fiscalização”. Mais se consideram empresas públicas, segundo o supra citado diploma legal (Decreto-Lei 558/99), “as entidades com natureza empresarial reguladas no seu capítulo III”. O Decreto- Lei nº 300/2007, que introduziu alterações ao Decreto- Lei nº 558/99, não alterou a disposição legal do artigo 3º.
         São desta forma encontrados dois critérios para o actual conceito de empresa pública: um de natureza formal – mediante o qual uma empresa publica é uma sociedade constituída de acordo com o regime geral das sociedades comerciais, conforme o primeiro critério acima referido, ou seja a detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto – e outro de natureza substancial – que é manifesta através da influência que o Estado possa exercer sobre a orientação ou gestão e que é legalmente traduzido no segundo critério referido supra, isto é, no direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.
            As citadas empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no Decreto-Lei nº 7/2007 e nos diplomas que tenham aprovado os estatutos das referidas empresas, conforme dispõe o número 1 do artigo 7º do referido Decreto-Lei que também não foi alvo de alteração pelo Decreto-Lei nº 8/2012. No entanto, estas empresas, apesar de regidas pelo direito privado, devem prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, porquanto pertencem à Administração Pública que prossegue de forma directa, necessária e originária o referido interesse público (vide artigo 266º CRP).

Consequentemente, passamos à análise do Estatuto do Gestor Público (EGP). Esta análise decorrerá com especial incidência para o seu âmbito de aplicação, para a nomeação dos gestores em causa, bem como para a duração dos mandatos dos mesmos e, por fim a sua remuneração.   
          Por conseguinte, e quanto ao âmbito de aplicação do EGP, refere o artigo 1º do Decreto-Lei 71/2007 – que foi aliás alterado pelo Decreto-Lei 8/2012, ainda que sem incidência neste nº1 – que o mesmo se aplica a “quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto -Lei n.º 558/99”. Mais se aplica de forma extensiva com as necessárias adaptações “aos titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados pelo Estado”, de forma subsidiária “aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes dos sectores empresariais regionais e locais, sem prejuízo das respectivas autonomias” e, por último – e neste caso com alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei 8/2012 - novamente com as devidas adaptações, “aos membros de órgãos directivos de institutos públicos de regime especial, bem como às autoridades reguladoras independentes, nos casos expressamente determinados pelos respectivos diplomas orgânicos, em tudo o que não seja prejudicado pela legislação aplicável a estas entidades”, conforme dispõem os nºs 1, 2 e 3 do artigo 2º do Decreto-Lei 71/2007.
            Versa-se então acerca de gestores públicos, noção que releva para determinar a esfera de aplicação do EGP. São, por conseguinte, gestores públicos os indivíduos designados para órgãos de gestão ou administração de empresas públicas, nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei 71/2007.
      Do exposto se retira, que ficam excluídos do âmbito de aplicação do EGP os gestores ou administradores que sejam eleitos pelo Estado, mesmo que seja o Estado detentor da maioria do capital, ou mesmo da totalidade do capital das referidas empresas públicas. Esta exclusão determina-se muito claramente pelo artigo 3º do Decreto-Lei 71/2007. Não lhes será aplicável o EGP, antes as regras gerais do Código das Sociedades Comerciais.
            Esta diferença de regimes entre os gestores ou administradores eleitos e nomeados pelo Estado tem efeitos que serão explanados infra.
           
No que à nomeação diz respeito, surge com especial relevo os artigos 12º e 13º do Decreto-Lei nº 71/2007 (estes alterados pelo Decreto-Lei nº 8/2012). O artigo 12º do referido diploma legal refere quais as qualidades que o “indivíduo” escolhido para exercer as funções de gestor público deve possuir. Diz o nº1 do citado artigo que “os gestores públicos são escolhidos de entre pessoas com comprovadas idoneidade, mérito profissional, competências e experiência de gestão, bem como sentido de interesse público e habilitadas, no mínimo, com o grau académico de licenciatura. Já o nº 2 deste artigo refere que é competência do membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade a definição do perfil, experiência profissional e competências de gestão adequadas às funções do cargo, dos quais deve informar a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública”. Por fim o nº 3 deste artigo dispõe que “é competência da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, a definição, por regulamento, dos critérios aplicáveis na avaliação de candidatos a cargos de gestor público, designadamente, as competências de liderança, colaboração, motivação, orientação estratégica, orientação para resultados, orientação para o cidadão e serviço de interesse público, gestão da mudança e inovação, sensibilidade social, experiência profissional, formação académica e formação profissional”. Verifica-se portanto várias alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 8/2012, uma vez que no nº 1, não havia referência a mérito profissional nem ao nível mínimo de habilitação. Já os nºs 2 e 3 eram inexistentes na antiga fórmula do Decreto-lei nº 71/2007.
Em relação ao artigo 13º foram várias as alterações feitas ao Decreto-Lei 71/2007 pelo Decreto-Lei 8/2012. Foi alterado o preceito do nº2 e adicionados dois nºs ao artigo. Desta forma o nº 2 do referido artigo passou a dispor que “a nomeação é feita mediante resolução do Conselho de Ministros, devidamente fundamentada e publicada no Diário da República juntamente com uma nota relativa ao currículo académico e profissional do designado, sob proposta dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pelo respectivo sector de actividade”. Na sua sequência o nº 3 passou a consagrar “que a proposta referida no número anterior deve ser “acompanhada de avaliação, não vinculativa, de currículo e de adequação de competências ao cargo de gestor público da personalidade a que respeita a proposta de designação, realizada pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública” e o nº 4, por conseguinte, que “para efeitos do número anterior, a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública pode realizar entrevista de avaliação de competências exigíveis ao exercício das funções de gestor público e aplicar outros métodos de avaliação”. Somos forçados a concordar com as alterações introduzidas ao preceito do artigo 13º, uma vez que as mesmas levam a que exista uma maior transparência na nomeação e uma maior exigência na avaliação da pessoa nomeada, aumentando os órgãos com competência para fiscalizar a veracidade das qualidades da pessoa em causa. Ainda assim, quanto ao nº 5 deste artigo – que permaneceu inalterado - e que dispõe que “não pode ocorrer a nomeação ou proposta para eleição entre a convocação de eleições para a Assembleia da República ou a demissão do Governo e a investidura parlamentar do Governo recém -nomeado, salvo se se verificar a vacatura dos cargos em causa e a urgência da designação, caso em que as referidas nomeação ou proposta de que não tenha ainda resultado eleição dependem de confirmação pelo Governo recém-nomeado”, somos forçados a fazer uma consideração um pouco menos positiva. A verdade é que este preceito reconhece que à volta destas nomeações e propostas de eleição existe sempre alguma desconfiança e inerente polémica. Ora, qual seria o problema de nomear ou propor para eleição um candidato que reunisse as condições referidas no nº1 do artigo 12 deste mesmo diploma legal – comprovada idoneidade, mérito profissional, competência e experiência de gestão, sentido de interesse público e habilitação, no mínimo, com o grau académico de licenciatura? A verdade é que as referidas qualidades não pereceriam em caso de convocação de eleições para a Assembleia da República ou de demissão do Governo e de investidura parlamentar do Governo recém-nomeado. Assim, salvo melhor e douta opinião, somos a favor que essas nomeações ou propostas de eleição sejam possíveis, casos em que estas nomeações ou propostas dependeriam – como em caso de vacatura dos cargos – de confirmação pelo Governo recém-nomeado. Assim, maior seria a segurança quanto a estas nomeações ou propostas de eleição, reduzindo-se a desconfiança em torno do preenchimento dos critérios legalmente previstos (afastando-se a possibilidade de existir critérios meramente políticos ou de mera conveniência pessoal), até pela consensualidade da nomeação ou da proposta de eleição.
O artigo 14º do supra citado diploma legal admite também a existência de administradores designados por cooptação nas empresas do sector empresarial do Estado sob forma societária, sendo que é obrigatória a ratificação pela assembleia geral das respectivas empresas.

                                                                                                                                   (continua)

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