Em introdução ao tema em estudo
será sempre de salientar que qualquer que seja a visão sobre o papel do Estado,
essa dependerá sempre de razões ideológicas que poderão estar subjacentes a um
amplo sector empresarial do Estado, ou, ao invés a uma concepção desse papel
que levará sempre ao desmantelamento deste sector, causado pela alienação do
mesmo. Ainda assim, independentemente da perspectiva adoptada relativamente à
amplitude da intervenção económica do Estado, a existência de um sector
empresarial do Estado será sempre uma realidade na política económica. É, por
isso, nosso objectivo fazer uma análise fáctica e isenta de qualquer tendência
ideológica, ressalvando sempre que o Direito Administrativo depende (como
sempre dependerá) da acção política levada a cabo.
Desta
forma, com este trabalho pretendemos fazer uma breve análise à evolução do
Estatuto do Gestor Público. Com efeito, será necessária uma primeira
contextualização ao Regime Geral do Sector Empresarial do Estado.
Em
primeiro lugar, cabe compreender onde se inserem as Entidades Públicas Empresarias
– E.P. E. – no esquema orgânico estadual. As referidas pertencem à
Administração indirecta sob forma púbica do Estado. Desta forma o Estado exerce
sobre as supra citadas poderes de superintendência e tutela. O Decreto- Lei nº
71/2007 define no nº 1 do seu artigo 1º - remetendo para o artigo 3º do
Decreto-Lei nº558/99 - quais os critérios para definição para uma Empresa
Pública, baseando-se num critério de influência dominante do Estado nas mesmas.
Os referidos critérios são a “detenção da
maioria do capital ou dos direitos de voto e o direito de designar ou de destituir a maioria dos órgãos de
administração ou de fiscalização”. Mais se consideram empresas públicas,
segundo o supra citado diploma legal (Decreto-Lei 558/99), “as entidades com natureza empresarial
reguladas no seu capítulo III”. O Decreto- Lei nº 300/2007, que introduziu
alterações ao Decreto- Lei nº 558/99, não alterou a disposição legal do artigo
3º.
São
desta forma encontrados dois critérios para o actual conceito de empresa
pública: um de natureza formal – mediante o qual uma empresa publica é uma
sociedade constituída de acordo com o regime geral das sociedades comerciais,
conforme o primeiro critério acima referido, ou seja a detenção da maioria do
capital ou dos direitos de voto – e outro de natureza substancial – que é
manifesta através da influência que o Estado possa exercer sobre a orientação
ou gestão e que é legalmente traduzido no segundo critério referido supra, isto
é, no direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de
administração ou de fiscalização.
As
citadas empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver
disposto no Decreto-Lei nº 7/2007 e nos diplomas que tenham aprovado os
estatutos das referidas empresas, conforme dispõe o número 1 do artigo 7º do
referido Decreto-Lei que também não foi alvo de alteração pelo Decreto-Lei nº
8/2012. No entanto, estas empresas, apesar de regidas pelo direito privado,
devem prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, porquanto pertencem à Administração Pública
que prossegue de forma directa, necessária e originária o referido interesse
público (vide artigo 266º CRP).
Consequentemente,
passamos à análise do Estatuto do Gestor Público (EGP). Esta análise decorrerá
com especial incidência para o seu âmbito de aplicação, para a nomeação dos gestores
em causa, bem como para a duração dos mandatos dos mesmos e, por fim a sua
remuneração.
Por
conseguinte, e quanto ao âmbito de aplicação do EGP, refere o artigo 1º do
Decreto-Lei 71/2007 – que foi aliás alterado pelo Decreto-Lei 8/2012, ainda que
sem incidência neste nº1 – que o mesmo se aplica a “quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas
públicas abrangidas pelo Decreto -Lei n.º 558/99”. Mais se aplica de forma
extensiva com as necessárias adaptações “aos
titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando
designados pelo Estado”, de forma subsidiária “aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes dos
sectores empresariais regionais e locais, sem prejuízo das respectivas
autonomias” e, por último – e neste caso com alterações promovidas pelo
referido Decreto-Lei 8/2012 - novamente com as devidas adaptações, “aos membros de órgãos directivos de
institutos públicos de regime especial, bem como às autoridades reguladoras
independentes, nos casos expressamente determinados pelos respectivos diplomas
orgânicos, em tudo o que não seja prejudicado pela legislação aplicável a estas
entidades”, conforme dispõem os nºs 1, 2 e 3 do artigo 2º do Decreto-Lei
71/2007.
Versa-se
então acerca de gestores públicos, noção que releva para determinar a esfera de
aplicação do EGP. São, por conseguinte, gestores públicos os indivíduos
designados para órgãos de gestão ou administração de empresas públicas, nos
termos do artigo 1º do Decreto-Lei 71/2007.
Do
exposto se retira, que ficam excluídos do âmbito de aplicação do EGP os gestores
ou administradores que sejam eleitos pelo Estado, mesmo que seja o Estado
detentor da maioria do capital, ou mesmo da totalidade do capital das referidas
empresas públicas. Esta exclusão determina-se muito claramente pelo artigo 3º
do Decreto-Lei 71/2007. Não lhes será aplicável o EGP, antes as regras gerais
do Código das Sociedades Comerciais.
Esta
diferença de regimes entre os gestores ou administradores eleitos e nomeados
pelo Estado tem efeitos que serão explanados infra.
No que à
nomeação diz respeito, surge com especial relevo os artigos 12º e 13º do Decreto-Lei
nº 71/2007 (estes alterados pelo Decreto-Lei nº 8/2012). O artigo 12º do
referido diploma legal refere quais as qualidades que o “indivíduo” escolhido
para exercer as funções de gestor público deve possuir. Diz o nº1 do citado
artigo que “os gestores públicos são
escolhidos de entre pessoas com comprovadas idoneidade, mérito profissional,
competências e experiência de gestão, bem como sentido de interesse público e
habilitadas, no mínimo, com o grau académico de licenciatura. Já o nº 2
deste artigo refere que é competência do
membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade a definição
do perfil, experiência profissional e competências de gestão adequadas às
funções do cargo, dos quais deve informar a Comissão de Recrutamento e Selecção
para a Administração Pública”. Por fim o nº 3 deste artigo dispõe que “é competência da Comissão de
Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, a definição, por
regulamento, dos critérios aplicáveis na avaliação de candidatos a cargos de
gestor público, designadamente, as competências de liderança, colaboração,
motivação, orientação estratégica, orientação para resultados, orientação para
o cidadão e serviço de interesse público, gestão da mudança e inovação,
sensibilidade social, experiência profissional, formação académica e formação profissional”.
Verifica-se portanto várias alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 8/2012,
uma vez que no nº 1, não havia referência a mérito profissional nem ao nível
mínimo de habilitação. Já os nºs 2 e 3 eram inexistentes na antiga fórmula do
Decreto-lei nº 71/2007.
Em relação ao
artigo 13º foram várias as alterações feitas ao Decreto-Lei 71/2007 pelo
Decreto-Lei 8/2012. Foi alterado o preceito do nº2 e adicionados dois nºs ao
artigo. Desta forma o nº 2 do referido artigo passou a dispor que “a nomeação é feita mediante resolução
do Conselho de Ministros, devidamente fundamentada e publicada no Diário da
República juntamente com uma nota relativa ao currículo académico e
profissional do designado, sob proposta dos membros do Governo responsáveis
pela área das finanças e pelo respectivo sector de actividade”. Na sua
sequência o nº 3 passou a consagrar “que
a proposta referida no número anterior deve ser “acompanhada de avaliação, não
vinculativa, de currículo e de adequação de competências ao cargo de gestor
público da personalidade a que respeita a proposta de designação, realizada
pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública” e o
nº 4, por conseguinte, que “para efeitos
do número anterior, a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração
Pública pode realizar entrevista de avaliação de competências exigíveis ao
exercício das funções de gestor público e aplicar outros métodos de avaliação”.
Somos forçados a concordar com as alterações introduzidas ao preceito do artigo
13º, uma vez que as mesmas levam a que exista uma maior transparência na
nomeação e uma maior exigência na avaliação da pessoa nomeada, aumentando os
órgãos com competência para fiscalizar a veracidade das qualidades da pessoa em
causa. Ainda assim, quanto ao nº 5 deste artigo – que permaneceu inalterado - e
que dispõe que “não pode ocorrer a
nomeação ou proposta para eleição entre a convocação de eleições para a
Assembleia da República ou a demissão do Governo e a investidura parlamentar do
Governo recém -nomeado, salvo se se verificar a vacatura dos cargos em causa e
a urgência da designação, caso em que as referidas nomeação ou proposta de que
não tenha ainda resultado eleição dependem de confirmação pelo Governo recém-nomeado”,
somos forçados a fazer uma consideração um pouco menos positiva. A verdade é
que este preceito reconhece que à volta destas nomeações e propostas de eleição
existe sempre alguma desconfiança e inerente polémica. Ora, qual seria o
problema de nomear ou propor para eleição um candidato que reunisse as condições
referidas no nº1 do artigo 12 deste mesmo diploma legal – comprovada idoneidade,
mérito profissional, competência e experiência de gestão, sentido de interesse
público e habilitação, no mínimo, com o grau académico de licenciatura? A
verdade é que as referidas qualidades não pereceriam em caso de convocação de
eleições para a Assembleia da República ou de demissão do Governo e de
investidura parlamentar do Governo recém-nomeado. Assim, salvo melhor e douta
opinião, somos a favor que essas nomeações ou propostas de eleição sejam
possíveis, casos em que estas nomeações ou propostas dependeriam – como em caso
de vacatura dos cargos – de confirmação pelo Governo recém-nomeado. Assim,
maior seria a segurança quanto a estas nomeações ou propostas de eleição, reduzindo-se
a desconfiança em torno do preenchimento dos critérios legalmente previstos
(afastando-se a possibilidade de existir critérios meramente políticos ou de
mera conveniência pessoal), até pela consensualidade da nomeação ou da proposta
de eleição.
O artigo 14º do
supra citado diploma legal admite também a existência de administradores
designados por cooptação nas empresas do sector empresarial do Estado sob forma
societária, sendo que é obrigatória a ratificação pela assembleia geral das
respectivas empresas.
(continua)
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