sábado, 17 de novembro de 2012

Os tipos de relações funcionais


Já analisámos nas aulas práticas e teóricas a estrutura da organização administrativa portuguesa mas importante, agora numa fase, será analisar quais as relações que se estabelecem entre os vários órgãos administrativas de uma pessoa colectiva, ou seja, ter uma perspectiva das relações que se desenvolvem internamente (relações intrapessoais), e as relações entre os órgãos de pessoas colectivas distintas (relações interpessoais). Reza o artigo 199º, alínea d) da CRP que compete ao Governo, como órgão superior da administração pública e no exercício da sua função administrativa “Dirigir os serviços e a actividade da Administração directa do Estado, civil e militar, superintender na Administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e a Administração autónoma”. Daqui decorrem os três tipos de relações administrativas principais, a hierarquia, a superintendência e a tutela do governo. Vamos agora, examinar cada uma dessas mesmas relações.

Hierarquia:

A hierarquia apresenta-se como a relação principal na Administração Directa do Estado ([1]), segundo o Professor Freitas do Amaral esta relação pode ser definida como o “modelo de organização administrativa vertical constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vinculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e ao subalterno o dever de obediência.”A hierarquia pressupõe assim:
1.     A existência de dois ou mais órgãos;
2.     Com atribuições comuns:
3.     Existência de um vínculo jurídico constituído pelo poder de direcção e pelo dever de obediência.
O poder típico da relação de hierarquia é o poder de direcção que consiste na emanação de comandos vinculativos a todos os órgãos subordinados. Estes comandos podem ser:
1.       Ordens: quando são específicos para uma determinada situação concreta e individualizada;
2.       Instruções: quando gozam de aplicação generalizada e abstracta para situações futuras.
Assim, podemos concluir que o poder de direcção consiste no poder do superior hierárquico emanar comandos vinculativos sobre todas as áreas de competência do seu subalterno, funcionando assim como um limite ao poder discricionário do subalterno.
No entanto, coexistem ainda ao lado do poder direcção outros poderes ao superior hierárquico sendo estes:
Ø  Poder de supervisão;
Ø  Poder de inspecção;
Ø  Poder disciplinar;
Ø  Poder de decidir recursos;
Ø  Poder de decidir conflitos de competência
Correlativamente ao poder de direcção temos o dever de obediência do subalterno, previsto no artigo 271º CRP, este dever apenas existe se verificados três requisitos:
1.       Ordem tem de emanar do legítimo superior hierárquico;
2.       Tem de ser dada em matéria de serviço;
3.       Tem de cumprir a forma legal exigida.
Apenas no caso de todos os requisitos estarem preenchidos estamos perante um dever de obediência, caso contrário o subalterno não terá de acatar a ordem pois não lhe será aplicada qualquer sanção. Um exemplo deste caso será quando a ordem ou instrução dada implique a pratica de um crime (artigo 271º, numero 3 CRP).
No entanto cabe questionar o que sucede nos casos em que essa ordem é ilegal, será que o dever se mantém? A resposta para esta questão pode ser encontrada nos números 1 e 2 do artigo 271º CRP. Reza o número 1 que aquele que não cumpra as ordens é responsabilizado civil, criminal e disciplinarmente tanto pelas acções mas no número 2 e feita uma ressalva importante é que nos casos em que o subalterno considere existir alguma razão plausível para não acatamento dessa mesma ordem e, desta forma dela reclame ou exija a sua transmissão ou confirmação por escrito, a CRP prevê aqui a exclusão da sua responsabilidade a título excepcional. No entanto parece que podemos concluir que este dever se mantém, o que acontece e que nestes casos se o subalterno tomar as providencias enunciadas seja excluída a sua responsabilidade.

Superintendência:

A superintendência pode ser definida como o poder que conferido ao Estado ou a outras pessoas colectivas de fins múltiplos, por exemplo as autarquias locais, de definir objectivos e conduzir a actuação das pessoas colectivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência, referimo-nos aqui aos institutos públicos e as empresas públicas.
A superintendência apenas existe quando a lei expressamente prever ou seja não pode ser presumida. Podemos concluir assim que a superintendência é o poder conferido ao Estado para que este, no âmbito da administração indirecta mantenha um controlo sobre os institutos. Outra nota importante e que na administração indirecta, alem da superintendência também coexiste a tutela.

Tutela:

A tutela pode ser definida como o conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de uma outra pessoa colectiva pública, com o fim de assegurar a legalidade e o mérito das suas actuações. Assim para estarmos perante uma relação de tutela e necessário verificar-se as seguintes condições:
1.       Existência de duas pessoas colectivas distintas – pessoa colectiva tutelada e pessoas colectiva tutelar);
2.       Necessidade actuação por parte de pessoas colectiva tutelar no sentido de assegurar o cumprimento da lei por parte da pessoa colectiva tutelada
A tutela pode ser de vários tipos, assim:
1.       Tutela de legalidade: consiste no poder de controlo da legalidade das decisões das entidades tuteladas, isto é, verificar se as suas decisões são ou não conformes à lei;
2.       Tutela de mérito: consiste no poder de controlar o mérito das decisões administrativas, isto é, saber se a decisão é ou não conveniente de acordo com critérios administrativos, financeiros e técnicos:
3.       Tutela integrativa: consiste no poder de aprovar (a posteriori) ou autorizar (a priori) os actos da entidade tutelada;
4.       Tutela inspectiva: consiste no poder de fiscalizar a organização e o próprio funcionamento dessas entidades;
5.       Tutela sancionatória: consiste no poder de aplicação de sanções em caso de irregularidades cometidas pelas entidades em causa;
6.       Tutela revogatória: consiste no poder de revogar os actos administrativos praticados pela entidade tutelada, este tipo de tutela só existe nos casos expressamente previstos na lei;
7.       Tutela substitutiva: consiste no poder da entidade tutelar suprimir omissões da entidade tutelada praticando em seu nome actos que deveriam ser por esta ultima praticados e que por alguma razão não foram, a entidade tutelar age assim em nome da tutelada.



([1]) Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo” Vol. I 3º edição Almedina paginas 806 e seguintes.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Breve análise ao Estatuto do Gestor Público [Parte 1]


Em introdução ao tema em estudo será sempre de salientar que qualquer que seja a visão sobre o papel do Estado, essa dependerá sempre de razões ideológicas que poderão estar subjacentes a um amplo sector empresarial do Estado, ou, ao invés a uma concepção desse papel que levará sempre ao desmantelamento deste sector, causado pela alienação do mesmo. Ainda assim, independentemente da perspectiva adoptada relativamente à amplitude da intervenção económica do Estado, a existência de um sector empresarial do Estado será sempre uma realidade na política económica. É, por isso, nosso objectivo fazer uma análise fáctica e isenta de qualquer tendência ideológica, ressalvando sempre que o Direito Administrativo depende (como sempre dependerá) da acção política levada a cabo.
         Desta forma, com este trabalho pretendemos fazer uma breve análise à evolução do Estatuto do Gestor Público. Com efeito, será necessária uma primeira contextualização ao Regime Geral do Sector Empresarial do Estado.
            Em primeiro lugar, cabe compreender onde se inserem as Entidades Públicas Empresarias – E.P. E. – no esquema orgânico estadual. As referidas pertencem à Administração indirecta sob forma púbica do Estado. Desta forma o Estado exerce sobre as supra citadas poderes de superintendência e tutela. O Decreto- Lei nº 71/2007 define no nº 1 do seu artigo 1º - remetendo para o artigo 3º do Decreto-Lei nº558/99 - quais os critérios para definição para uma Empresa Pública, baseando-se num critério de influência dominante do Estado nas mesmas. Os referidos critérios são a “detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto e o direito de designar ou de destituir a maioria dos órgãos de administração ou de fiscalização”. Mais se consideram empresas públicas, segundo o supra citado diploma legal (Decreto-Lei 558/99), “as entidades com natureza empresarial reguladas no seu capítulo III”. O Decreto- Lei nº 300/2007, que introduziu alterações ao Decreto- Lei nº 558/99, não alterou a disposição legal do artigo 3º.
         São desta forma encontrados dois critérios para o actual conceito de empresa pública: um de natureza formal – mediante o qual uma empresa publica é uma sociedade constituída de acordo com o regime geral das sociedades comerciais, conforme o primeiro critério acima referido, ou seja a detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto – e outro de natureza substancial – que é manifesta através da influência que o Estado possa exercer sobre a orientação ou gestão e que é legalmente traduzido no segundo critério referido supra, isto é, no direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.
            As citadas empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no Decreto-Lei nº 7/2007 e nos diplomas que tenham aprovado os estatutos das referidas empresas, conforme dispõe o número 1 do artigo 7º do referido Decreto-Lei que também não foi alvo de alteração pelo Decreto-Lei nº 8/2012. No entanto, estas empresas, apesar de regidas pelo direito privado, devem prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, porquanto pertencem à Administração Pública que prossegue de forma directa, necessária e originária o referido interesse público (vide artigo 266º CRP).

Consequentemente, passamos à análise do Estatuto do Gestor Público (EGP). Esta análise decorrerá com especial incidência para o seu âmbito de aplicação, para a nomeação dos gestores em causa, bem como para a duração dos mandatos dos mesmos e, por fim a sua remuneração.   
          Por conseguinte, e quanto ao âmbito de aplicação do EGP, refere o artigo 1º do Decreto-Lei 71/2007 – que foi aliás alterado pelo Decreto-Lei 8/2012, ainda que sem incidência neste nº1 – que o mesmo se aplica a “quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo Decreto -Lei n.º 558/99”. Mais se aplica de forma extensiva com as necessárias adaptações “aos titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados pelo Estado”, de forma subsidiária “aos titulares dos órgãos de gestão das empresas integrantes dos sectores empresariais regionais e locais, sem prejuízo das respectivas autonomias” e, por último – e neste caso com alterações promovidas pelo referido Decreto-Lei 8/2012 - novamente com as devidas adaptações, “aos membros de órgãos directivos de institutos públicos de regime especial, bem como às autoridades reguladoras independentes, nos casos expressamente determinados pelos respectivos diplomas orgânicos, em tudo o que não seja prejudicado pela legislação aplicável a estas entidades”, conforme dispõem os nºs 1, 2 e 3 do artigo 2º do Decreto-Lei 71/2007.
            Versa-se então acerca de gestores públicos, noção que releva para determinar a esfera de aplicação do EGP. São, por conseguinte, gestores públicos os indivíduos designados para órgãos de gestão ou administração de empresas públicas, nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei 71/2007.
      Do exposto se retira, que ficam excluídos do âmbito de aplicação do EGP os gestores ou administradores que sejam eleitos pelo Estado, mesmo que seja o Estado detentor da maioria do capital, ou mesmo da totalidade do capital das referidas empresas públicas. Esta exclusão determina-se muito claramente pelo artigo 3º do Decreto-Lei 71/2007. Não lhes será aplicável o EGP, antes as regras gerais do Código das Sociedades Comerciais.
            Esta diferença de regimes entre os gestores ou administradores eleitos e nomeados pelo Estado tem efeitos que serão explanados infra.
           
No que à nomeação diz respeito, surge com especial relevo os artigos 12º e 13º do Decreto-Lei nº 71/2007 (estes alterados pelo Decreto-Lei nº 8/2012). O artigo 12º do referido diploma legal refere quais as qualidades que o “indivíduo” escolhido para exercer as funções de gestor público deve possuir. Diz o nº1 do citado artigo que “os gestores públicos são escolhidos de entre pessoas com comprovadas idoneidade, mérito profissional, competências e experiência de gestão, bem como sentido de interesse público e habilitadas, no mínimo, com o grau académico de licenciatura. Já o nº 2 deste artigo refere que é competência do membro do Governo responsável pelo respectivo sector de actividade a definição do perfil, experiência profissional e competências de gestão adequadas às funções do cargo, dos quais deve informar a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública”. Por fim o nº 3 deste artigo dispõe que “é competência da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, a definição, por regulamento, dos critérios aplicáveis na avaliação de candidatos a cargos de gestor público, designadamente, as competências de liderança, colaboração, motivação, orientação estratégica, orientação para resultados, orientação para o cidadão e serviço de interesse público, gestão da mudança e inovação, sensibilidade social, experiência profissional, formação académica e formação profissional”. Verifica-se portanto várias alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 8/2012, uma vez que no nº 1, não havia referência a mérito profissional nem ao nível mínimo de habilitação. Já os nºs 2 e 3 eram inexistentes na antiga fórmula do Decreto-lei nº 71/2007.
Em relação ao artigo 13º foram várias as alterações feitas ao Decreto-Lei 71/2007 pelo Decreto-Lei 8/2012. Foi alterado o preceito do nº2 e adicionados dois nºs ao artigo. Desta forma o nº 2 do referido artigo passou a dispor que “a nomeação é feita mediante resolução do Conselho de Ministros, devidamente fundamentada e publicada no Diário da República juntamente com uma nota relativa ao currículo académico e profissional do designado, sob proposta dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pelo respectivo sector de actividade”. Na sua sequência o nº 3 passou a consagrar “que a proposta referida no número anterior deve ser “acompanhada de avaliação, não vinculativa, de currículo e de adequação de competências ao cargo de gestor público da personalidade a que respeita a proposta de designação, realizada pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública” e o nº 4, por conseguinte, que “para efeitos do número anterior, a Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública pode realizar entrevista de avaliação de competências exigíveis ao exercício das funções de gestor público e aplicar outros métodos de avaliação”. Somos forçados a concordar com as alterações introduzidas ao preceito do artigo 13º, uma vez que as mesmas levam a que exista uma maior transparência na nomeação e uma maior exigência na avaliação da pessoa nomeada, aumentando os órgãos com competência para fiscalizar a veracidade das qualidades da pessoa em causa. Ainda assim, quanto ao nº 5 deste artigo – que permaneceu inalterado - e que dispõe que “não pode ocorrer a nomeação ou proposta para eleição entre a convocação de eleições para a Assembleia da República ou a demissão do Governo e a investidura parlamentar do Governo recém -nomeado, salvo se se verificar a vacatura dos cargos em causa e a urgência da designação, caso em que as referidas nomeação ou proposta de que não tenha ainda resultado eleição dependem de confirmação pelo Governo recém-nomeado”, somos forçados a fazer uma consideração um pouco menos positiva. A verdade é que este preceito reconhece que à volta destas nomeações e propostas de eleição existe sempre alguma desconfiança e inerente polémica. Ora, qual seria o problema de nomear ou propor para eleição um candidato que reunisse as condições referidas no nº1 do artigo 12 deste mesmo diploma legal – comprovada idoneidade, mérito profissional, competência e experiência de gestão, sentido de interesse público e habilitação, no mínimo, com o grau académico de licenciatura? A verdade é que as referidas qualidades não pereceriam em caso de convocação de eleições para a Assembleia da República ou de demissão do Governo e de investidura parlamentar do Governo recém-nomeado. Assim, salvo melhor e douta opinião, somos a favor que essas nomeações ou propostas de eleição sejam possíveis, casos em que estas nomeações ou propostas dependeriam – como em caso de vacatura dos cargos – de confirmação pelo Governo recém-nomeado. Assim, maior seria a segurança quanto a estas nomeações ou propostas de eleição, reduzindo-se a desconfiança em torno do preenchimento dos critérios legalmente previstos (afastando-se a possibilidade de existir critérios meramente políticos ou de mera conveniência pessoal), até pela consensualidade da nomeação ou da proposta de eleição.
O artigo 14º do supra citado diploma legal admite também a existência de administradores designados por cooptação nas empresas do sector empresarial do Estado sob forma societária, sendo que é obrigatória a ratificação pela assembleia geral das respectivas empresas.

                                                                                                                                   (continua)

Breve Análise ao Estatuto do Gestor Público [Parte 2]


Quanto à duração do mandato dos gestores públicos, convém fazer algumas considerações anteriores ao Decreto-Lei nº 71/2007. Assim, na anterior versão do EGP – Decreto-Lei nº 464/82 de 9 de Dezembro – além de não existir um artigo especialmente considerado para a duração do mandato, não era fixado qualquer limite aos mandatos sucessivos na mesma empresa pública.
          O Decreto-Lei 71/2007, actualmente em vigor, veio ao invés, dedicar um artigo a esta matéria – artigo 15º - e estabelecer um limite legal, no seu nº 2, às renovações consecutivas de mandatos na mesma empresa pública, fixando em três mandatos o limite máximo de renovação. Trata-se, na nossa óptica de uma medida bastante pertinente, uma vez que se aplica ao gestor público o princípio da renovação aplicável titulares de cargos políticos, previsto no artigo 118º da CRP. Desta forma, evita-se que possa existir a possibilidade de alguém se manter ad eternum num cargo, situação que seria possível em caso de haver em determinada altura um ciclo político e que os gestores permanecessem nas suas funções com base em critérios meramente políticos (veja-se o que sucede com a Madeira).
          Ainda quanto à duração do mandato, surge a primeira diferença de regime entre eleição ou nomeação como foi referido supra. Ora em caso de nomeação, aplicar-se-ão as regras do EGP (leia-se Decreto-Lei nº71/2007). Desta forma decorre do nº 1 do artigo 15º deste diploma legal que o “mandato é exercido, em regra, pelo prazo de três anos, sendo os mandatos dos membros do mesmo órgão de administração coincidentes”. Atentemos portanto na parte final do preceito e façamos uma comparação quanto às regras gerais do Código das Sociedades Comerciais, que se aplicam aos administradores eleitos. O nº 3 do artigo 391º do CSC dispõe que “os administradores são designados por um período fixado no contrato de sociedade, não excedente a quatro anos civis, contando-se como completo o ano civil em que os administradores forem designados; na falta de indicação do contrato, entende-se que a designação é feita por quatro anos civis, sendo permitida a reeleição”. Daqui resulta uma incongruência. Imaginemos que na mesma empresa pública existe um administrador nomeado e um administrador eleito e que ambos fazem parte do mesmo órgão da dita empresa pública. Acontece que em caso de as regras estatutárias das empresas em causa não solucionarem o problema da duração dos mandatos, aplicar-se-á o EGP e as regras gerais do CSC respectivamente, o que por si só, já constitui um desvio ao nº 1 do artigo 15º in fine.
            Do exposto se retira que, de jure condendo, e salvo melhor opinião, o EGP ou o CSC deveriam ser revistos de forma a harmonizar as regras quanto à duração do mandato aplicáveis tanto a administradores nomeados, como a administradores eleitos.

            Quanto à remuneração dos gestores públicos, a questão torna-se mais controversa. Cabe portanto, fazer também algumas considerações prévias.
Na anterior versão do EGP (Decreto-Lei nº 464/82), não existiam quaisquer limitações ao nível da remuneração. Aliás, era-nos fornecido, pelo artigo 7º do citado diploma legal um critério algo arbitrário, onde a competência para a fixação da remuneração seria do ministro da tutela e do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano. O montante fixado dependeria de uma tabela de remuneração indexada à dimensão da empresa pública e à complexidade da gestão.      
A revogação do citado diploma legal pelo Decreto-Lei 71/2007 trouxe algumas alterações, ainda que não tenha sido também fixado um máximo quanto à remuneração. Pode ler-se no nº 1 do seu artigo 28º que a remuneração integra uma componente fixa e pode integrar uma componente variável no caso de administradores executivos. No entanto, também este diploma legal foi sujeito a alterações pelo Decreto-Lei  nº 8/2012.
Assim, pode ler-se na actual versão do Decreto-Lei 71/2007, no nº 1 do seu artigo 28º “a remuneração dos gestores públicos integra um vencimento mensal que não pode ultrapassar o vencimento mensal do Primeiro – Ministro”. Ficou assim consagrado um limite máximo à remuneração dos gestores públicos. Ainda assim, atentando no artigo 30º deste diploma legal, podem ocorrer outras remunerações decorrentes dos contratos de gestão (contratos estes, que são obrigatórios nos termos do artigo 18º do mesmo diploma legal). Ora segundo a alínea b) do nº 1 do artigo 30º, pode “existir prémios de gestão passíveis de atribuição no final do exercício ou do mandato, que não podem ultrapassar metade da remuneração anual auferida, de acordo com o cumprimento dos critérios objectivos dos quais dependa a sua eventual atribuição, sem prejuízo do limite fixado nos respectivos estatutos”. Verifica-se, pois, a possibilidade de atribuição de prémios que vão para além da remuneração prevista.
Concordamos parcialmente com as alterações feitas pelo Decreto-Lei 8/2012. Apesar de ser claro que não é solucionando o problema da remuneração dos gestores públicos que conseguiremos alcançar uma boa gestão pública, este poderá ser um dos inúmeros problemas que – concordemos ou não – está resolvido.
Desta forma, e novamente salvaguardando melhor e douta opinião, pensamos que é adequada a fixação de um limite à remuneração fixa dos gestores públicos. No entanto, colocamos algumas questões quanto ao valor em causa. Com esta medida os gestores públicos ficam sujeitos a uma remuneração máxima fixa que fica aquém dos 6000 euros mensais. Com efeito, somos levados a considerar este valor baixo para que se possa atrair para o exercício destas funções gestores públicos que se destaquem na sua área até pelas qualidades, supra mencionadas, do artigo 12º do Decreto-Lei nº 71/2007 - comprovada idoneidade, mérito profissional, competência e experiência de gestão, sentido de interesse público e habilitação, no mínimo, com o grau académico de licenciatura. Assim, gestores com estas qualidades serão atraídos para os privados, exercendo funções idênticas mas com remunerações bem mais elevadas.        
Justificamos esta análise. Apesar do modelo de Estado Social que é vigente, defendemos o que parece ser óbvio. Nem todos os sectores do Estado têm que ser deficitários, porquanto o actual modelo seja o Estado Social. Aliás, um dos sectores que não deve apresentar prejuízos é exactamente o sector empresarial do Estado, bem pelo contrário. Mais defendemos que, para que este sector não apresente prejuízos devem ser tomadas medidas no sentido de atrair bons gestores. Para isso concordamos com o limite máximo, mas somos defensores de que os prémios de gestão devem significar não apenas grande parte das remunerações dos gestores públicos, mas a maior parte desse montante. Isto claro, mediante objectivos ambiciosos que visem mormente uma grande obtenção de lucro. Tudo isto significaria que o pagamento dessas remunerações seria um sinal positivo tanto para o gestor, como para o Estado que usufrui dos préstimos do gestor em causa, o que culminaria na promoção de uma gestão por objectivos e a consequente melhoria dos resultados obtidos. Por inerência, discordamos com o disposto na mencionada alínea b) do artigo 30º do Decreto-Lei 71/2007.
Não obstante a crítica feita, não podemos neste caso desconsiderar o que estas alterações nos trouxeram de positivo, principalmente ao nível da transparência.

 Passemos agora a uma análise quanto a alguns motivos de cessação de mandato. Entre eles o motivo justificado, a demissão por mera conveniência de serviço e a renúncia, sendo que já se fizeram considerações acerca do decurso do prazo (duração do mandato).
No que respeito diz à demissão por motivo justificado, surge com relevo o artigo 25º do EGP, este modificado no seu nº 1 pelo Decreto-Lei 8/2012. Deste modo, dispõe o citado artigo que o gestor público pode ser demitido quando lhe seja individualmente imputável uma das seguintes situações: “a avaliação de desempenho seja negativa, designadamente por incumprimento dos objectivos referidos nas orientações fixadas ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, ou no contrato de gestão”; “violação grave, por acção ou por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa”; “A violação das regras sobre incompatibilidades e impedimentos; e, por fim, violação do dever de sigilo profissional”. Especial atenção deve ser dada ao nº 2 deste artigo que dispõe que a “demissão compete ao órgão de eleição ou nomeação, requer audiência prévia do gestor e é devidamente fundamentada”. Do exposto se retira nova incongruência entre o administrador eleito e o administrador nomeado. É que o primeiro, pode ser demitido a qualquer momento, porquanto se lhe aplicam as regras gerais do CSC, nomeadamente o nº 1 do artigo 403º que dispõe que “qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído por deliberação da assembleia geral, em qualquer momento”. Ora, quanto ao segundo, não é assim que se passa, uma vez que a deliberação da assembleia geral apenas pode manifestar a sua desconfiança quanto ao membro nomeado pelo Estado, devendo esta deliberação ser transmitida ao ministro competente. Sublinha-se novamente, de jure condendo, a necessidade de harmonizar as regras aplicáveis aos administradores eleitos e nomeados.
A demissão pode também ocorrer por mera conveniência, sendo que haverá lugar, neste caso a indemnização nos termos do EGP. Desta forma, o artigo 26º do EGP consagra no seu nº 1 que “o conselho de administração, a comissão executiva, o conselho de administração executivo ou o conselho geral e de supervisão podem ser livremente dissolvidos, ou o gestor público livremente demitido, conforme os casos, independentemente dos fundamentos constantes dos artigos anteriores”. Estamos perante um conceito indeterminado o que poderá levar a uma aplicação discricionária do preceito. E se de alguma forma pode haver motivos para desconfiar da nomeação ou eleição do gestor público, poderá também neste caso - e com maior fundamento-, existir razões que permitem tal desconfiança. Assim, e se não for possível demitir um gestor público por motivo justificado – como acima citado – poder-se-á fazê-lo por mera conveniência de serviço, que sendo um conceito indeterminado, pode ter por base qualquer fundamento – inclusive político. Por fim, cabe lembrar que segundo consta no nº 2 deste artigo, a cessação de funções pode ter lugar a qualquer tempo e compete ao órgão de nomeação ou de designação.
A renúncia, por seu turno, encontra-se consagrada no artigo 27º do EGP que estabelece, no seu nº 1 que “o gestor público pode renunciar ao cargo, nos termos da lei comercial”, sendo que esta não carece de aceitação, apenas de comunicação aos órgãos de eleição ou de nomeação.
             
         Finalmente convém ressalvar que quanto à responsabilidade dos gestores públicos, dispõe o artigo 23º do Decreto-Lei nº 71/2007 que “os gestores públicos são penal, civil e financeiramente responsáveis pelos actos e omissões praticados durante a sua gestão, nos termos da lei”. Parece-nos uma solução ajustada, porquanto o anterior diploma que regulava o EGP – Decreto-Lei nº 464/82 – era, quanto a esta matéria, omisso.

         Em jeito conclusivo, cabe apreciar que apesar da revogação do Decreto-Lei nº 464/82 pelo Decreto-Lei nº 71/2007 e das alterações promovidas pelo Decreto-Lei nº 8/2012, são várias as incongruências e as falhas que podem ser apontadas ao actual Estatuto do Gestor Público, sendo para nós mais evidentes as relativas às diferenças de regime aplicável entre administradores nomeados ou eleitos, uma vez que na nossa óptica a sua legitimidade de actuação é idêntica, não sendo por consequência aceitável esta diferença de regime. Ficam portanto da nossa parte algumas considerações relativas à eleição ou nomeação, quanto à remuneração e quanto à cessação do mandato que, apreciando ou não, parecem ter o seu fundamento.
           
            

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A função do Direito Administrativo


O Professor Cabral de Moncada, na nota introdutória do seu manual “A Relação Jurídico-Administrativa” refere o seguinte: "A relação jurídico-administrativa analisa-se na disciplina do contacto entre a Administração e os cidadãos pelo Direito Administrativo(...)” acrescentando ainda que, hoje em dia não será pensável ou exequível um direito administrativo sem consideração do cidadão como um centro de imputação de direitos e recíprocos deveres, sendo que os seus direitos correspondem a deveres da administração, respectivamente. Por conseguinte, conclui que o Direito Administrativo se desenvolve no interior desta relação jurídica entre a administração e o particular.
O Direito Administrativo poderá ser definido como o Direito que regula o exercício da função administrativa. Podemos então, abrir aqui a discussão perante a concepção objectivista e subjectivista da função do direito administrativo.
Tradicionalmente, a concepção objectivista caracterizava o Direito Administrativo como aquele que permitiria a imposição dos interesses públicos sobre os interesses privados, devido ao facto de a ordem jurídica conferir à Administração Pública um conjunto de poderes exorbitantes que permitiam, através da via autoritária, prosseguir os fins do Estado.
Actualmente, os defensores desta teoria afirmam que o Direito Administrativo visa, numa primeira fase, conferir os meios legais necessários à Administração Pública para que,esta prossiga da melhor forma os interesses da colectividade, fazendo no entanto a devida ressalva de que nem sempre estes meios terão de implicar poderes de autoridade, bem como ser possivel a existencia de limites específicos a esta actuação de forma a mantê-la dentro dos parâmetros aceitáveis.
Já a concepção subjectivista, considera que a função do Direito Administrativo será antes a de reconhecer e estabelecer garantias aos particulares perante a actuação da Administração Pública, de modo a limitar juridicamente os abusos da sua actuação.
Cabe tomar posição.
Ora, parece que neste contexto, nenhuma das posições se afigura como suficiente.
 Iremos defender o conceito de Direito Administrativo reconduzido a uma dupla função ou função mista de concepção objectiva e subjectiva, tal como os Professores Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa o fazem.
Vejamos:
Nos dias de hoje, seria indefensável uma posição radicalmente objectivista do Direito Administrativo, desde logo, pela consagração do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, assim como do artigo 4º do Código de Procedimento Administrativo que estabelecem o Princípio do respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares, impedindo deste modo a subalternização do particular face a actuação da administração, agora limitada.
Quanto à concepção subjectivista, parece que esta visa apenas uma função garantistica ou liberal que se traduz num enfraquecimento ou até mesmo num alheamento da função principal da administração, a prossecução do interesse público. 
Assim concluiria, nas palavras do Professor Marcelo Rebelo de Sousa que “ O Direito Administrativo não é, assim, apenas da administração ou apenas dos cidadãos mas de ambos; a sua função é a de permitir a prossecução do interesse público no respeito das posições jurídicas subjectivas dos particulares.”
Quer isto dizer que a função do Direito Administrativo não se traduz apenas na legitimação da actuação Pública com poderes que lhe permitam prosseguir os interesses da colectividade mas sim na harmonia desta legitimação com a protecção dos interesses do particular. Penso assim, ser esta a verdadeira essência do direito administrativo.

A utilização do direito privado pela Administração Pública


Actualmente é sabido que as relações entre a Administração Pública e o direito privado existem e são cada vez mais frequentes, razão pela qual não podem ser negligenciadas. Estas relações a que nos referimos são, por um lado, as que resultam da circunstância de o direito privado constituir um limite da actividade administrativa licita e, por outro, as que derivam da utilização directa de meios e instrumentos de direito privado por parte da administração, tanto na sua actividade privada como na satisfação directa de necessidades colectivas.
A Administração Pública no exercício das suas funções utiliza normalmente o direito administrativo para actuar, pois assim encontra-se munida dos seus poderes de autoridade, já o contrário não será verdade, isto é, se a administração recorrer ao direito privado para actuar, ela encontra se numa posição de paridade para com os particulares na medida em que o direito privado tutela de igual forma as suas partes e, apesar de ser da Administração Pública que se trata, esta não poderá beneficiar de uma posição privilegiada se ou quando contratando com particulares ao abrigo do direito privado. Desta forma cabe assim à Administração Pública, perante os casos em concreto, decidir qual o direito que se afigura mais favorável a sua actuação.
No exercício da sua actividade privada por exemplo, quando a administração celebra certo contrato de compra e venda de computadores para uma repartição pública ela actua como se de um privado se tratasse, na prática são dois privados que actuam, não existe nenhum beneficio para a administração. ([1])
A Administração Pública não perde, pelo facto de se tratar de uma entidade pública, a sua capacidade à luz do direito privado, mantendo assim uma posição que lhe permite celebrar os negócios que entender como se de um particular se tratasse.
Mais controversa será a questão da Administração Pública recorrer ao direito privado para exercer funções materialmente administrativas.
Em primeiro lugar, cabe referir que não existe qualquer razão para excluir essa possibilidade desde logo porque temos o exemplo de ser possível a prossecução de interesses públicos através de pessoas colectivas públicas cujas atribuições sejam desempenhadas através de meios de direito privado.
Mas esta tendência de, cada vez mais a administração recorrer aos meios privados para prosseguir os seus fins tem uma explicação e, aliás facilmente compreensível. Sobre a temática são enunciados seis critérios pela Professora Maria João Estorninho na sua obra “Fuga para o Direito Privado” que justificam o recurso pela administração a formas de organização e actuação de direito privado, sendo estes:

1. Critério da criação: Desde logo torna-se mais fácil tanto criar como extinguir instituições de cariz privado uma vez que as imposições de formas jurídico-públicas dificultam tanto a criação como a extinção por exemplo de fundações de empresas.
2. Critério da autonomia: Recorrendo ao direito privado, este permite a descentralização e autonomia dos seus entes assim como verifica uma delimitação de âmbito de responsabilidade própria e autónoma.
3. Critério da organização: Através do direito privado verifica se uma libertação das regras de organização próprias do direito público uma vez que, os entes privados tem uma organização própria prevista muitas das vezes nos seus estatutos e, na sua falta, no regime privado.
4. Critério de dinâmica: Denota-se que através do regime jurídico privado tona-se possível a adopção de processos de decisão e actuação mais flexíveis, mais desburocratizados, mais rápidos e eficientes que consequentemente levam a uma maior rentabilidade e economicidade. Verifica-se ainda, nestes casos, uma diversificação de bens e serviços que são oferecidos no mercado assim como uma grande simplificação na contratação de trabalhadores.
Pode ainda ser referido a este propósito, o exemplo da transformação da Caixa Geral de Depósitos, antiga empresa pública, em sociedade anónima que manteve os capitais exclusivamente públicos. ([2]) Através da sua modificação foi possível que esta nova sociedade pudesse ficar sujeita aos princípios da economia de mercado e a novas regras de concorrência.
5. Critério do financiamento: Permite-se que através dos meios privados haja uma diversificação de meios de financiamento, isto é, não só o Estado mas também outras pessoas colectivas e privados podem investir ou contribuir com capitais. Verifica-se ainda nestes casos a possibilidade de redução de custos administrativos e a susceptibilidade de beneficiar de vantagens fiscais.
6. Critério das relações exteriores: Torna-se visível uma maior facilidade de cooperação e conjugação de esforços entre as várias entidades públicas assim como se verifica uma maior facilidade de intercâmbios com estrangeiros.

No entanto, existem também diversos perigos na utilização do direito privado pela Administração Pública desde logo o seu afastamento do direito público permite que a administração se liberte das vinculações aos princípios fundamentais que lhe são impostas pela Constituição, e obtenha assim um espaço de livre arbítrio administrativo. Então qual será a solução para evitar esta fuga para o direito privado?
A Professora Maria João Estorninho apresenta duas soluções:
A primeira, consistiria na solução radical de simplesmente proibir qualquer recurso por parte da Administração Pública as formas de actuação jurídico-privadas. A Administração Pública apenas poderia agir através de formas de actuação previstas no direito público.
A segunda solução, mais moderada, seria a de permitir a actuação da Administração Pública através de formas de actuação de direito privado desde que certas normas e princípios de direito público fossem considerados.
A solução passará exactamente por permitir uma combinação do direito privado com certos limites, impostos pelo direito público, ou seja, e necessário harmonizar o direito privado com as garantias dos particulares e com os deveres da administração.


([1]) José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira “Noções Fundamentais de Direito Administrativo” 3º Reimpressão da edição de Outubro 2005, Almedina
([2]) Decreto-lei 277/93,10 Agosto.

A utilização do direito privado pela Administração Pública


Actualmente é sabido que as relações entre a Administração Pública e o direito privado existem e são cada vez mais frequentes, razão pela qual não podem ser negligenciadas. Estas relações a que nos referimos são, por um lado, as que resultam da circunstância de o direito privado constituir um limite da actividade administrativa licita e, por outro, as que derivam da utilização directa de meios e instrumentos de direito privado por parte da administração, tanto na sua actividade privada como na satisfação directa de necessidades colectivas.
A Administração Pública no exercício das suas funções utiliza normalmente o direito administrativo para actuar, pois assim encontra-se munida dos seus poderes de autoridade, já o contrário não será verdade, isto é, se a administração recorrer ao direito privado para actuar, ela encontra se numa posição de paridade para com os particulares na medida em que o direito privado tutela de igual forma as suas partes e, apesar de ser da Administração Pública que se trata, esta não poderá beneficiar de uma posição privilegiada se ou quando contratando com particulares ao abrigo do direito privado. Desta forma cabe assim à Administração Pública, perante os casos em concreto, decidir qual o direito que se afigura mais favorável a sua actuação.
No exercício da sua actividade privada por exemplo, quando a administração celebra certo contrato de compra e venda de computadores para uma repartição pública ela actua como se de um privado se tratasse, na prática são dois privados que actuam, não existe nenhum beneficio para a administração. ([1])
A Administração Pública não perde, pelo facto de se tratar de uma entidade pública, a sua capacidade à luz do direito privado, mantendo assim uma posição que lhe permite celebrar os negócios que entender como se de um particular se tratasse.
Mais controversa será a questão da Administração Pública recorrer ao direito privado para exercer funções materialmente administrativas.
Em primeiro lugar, cabe referir que não existe qualquer razão para excluir essa possibilidade desde logo porque temos o exemplo de ser possível a prossecução de interesses públicos através de pessoas colectivas públicas cujas atribuições sejam desempenhadas através de meios de direito privado.
Mas esta tendência de, cada vez mais a administração recorrer aos meios privados para prosseguir os seus fins tem uma explicação e, aliás facilmente compreensível. Sobre a temática são enunciados seis critérios pela Professora Maria João Estorninho na sua obra “Fuga para o Direito Privado” que justificam o recurso pela administração a formas de organização e actuação de direito privado, sendo estes:

1. Critério da criação: Desde logo torna-se mais fácil tanto criar como extinguir instituições de cariz privado uma vez que as imposições de formas jurídico-públicas dificultam tanto a criação como a extinção por exemplo de fundações de empresas.
2. Critério da autonomia: Recorrendo ao direito privado, este permite a descentralização e autonomia dos seus entes assim como verifica uma delimitação de âmbito de responsabilidade própria e autónoma.
3. Critério da organização: Através do direito privado verifica se uma libertação das regras de organização próprias do direito público uma vez que, os entes privados tem uma organização própria prevista muitas das vezes nos seus estatutos e, na sua falta, no regime privado.
4. Critério de dinâmica: Denota-se que através do regime jurídico privado tona-se possível a adopção de processos de decisão e actuação mais flexíveis, mais desburocratizados, mais rápidos e eficientes que consequentemente levam a uma maior rentabilidade e economicidade. Verifica-se ainda, nestes casos, uma diversificação de bens e serviços que são oferecidos no mercado assim como uma grande simplificação na contratação de trabalhadores.
Pode ainda ser referido a este propósito, o exemplo da transformação da Caixa Geral de Depósitos, antiga empresa pública, em sociedade anónima que manteve os capitais exclusivamente públicos. ([2]) Através da sua modificação foi possível que esta nova sociedade pudesse ficar sujeita aos princípios da economia de mercado e a novas regras de concorrência.
5. Critério do financiamento: Permite-se que através dos meios privados haja uma diversificação de meios de financiamento, isto é, não só o Estado mas também outras pessoas colectivas e privados podem investir ou contribuir com capitais. Verifica-se ainda nestes casos a possibilidade de redução de custos administrativos e a susceptibilidade de beneficiar de vantagens fiscais.
6. Critério das relações exteriores: Torna-se visível uma maior facilidade de cooperação e conjugação de esforços entre as várias entidades públicas assim como se verifica uma maior facilidade de intercâmbios com estrangeiros.

No entanto, existem também diversos perigos na utilização do direito privado pela Administração Pública desde logo o seu afastamento do direito público permite que a administração se liberte das vinculações aos princípios fundamentais que lhe são impostas pela Constituição, e obtenha assim um espaço de livre arbítrio administrativo. Então qual será a solução para evitar esta fuga para o direito privado?
A Professora Maria João Estorninho apresenta duas soluções:
A primeira, consistiria na solução radical de simplesmente proibir qualquer recurso por parte da Administração Pública as formas de actuação jurídico-privadas. A Administração Pública apenas poderia agir através de formas de actuação previstas no direito público.
A segunda solução, mais moderada, seria a de permitir a actuação da Administração Pública através de formas de actuação de direito privado desde que certas normas e princípios de direito público fossem considerados.
A solução passará exactamente por permitir uma combinação do direito privado com certos limites, impostos pelo direito público, ou seja, e necessário harmonizar o direito privado com as garantias dos particulares e com os deveres da administração.




([1]) José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira “Noções Fundamentais de Direito Administrativo” 3º Reimpressão da edição de Outubro 2005, Almedina
([2]) Decreto-lei 277/93,10 Agosto.

Inês Ribeiro
Número 21097

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Novas Freguesias de Lisboa

Caros Colegas,

Depois da aula prática de ontem, aqui segue uma lista das novas freguesias de Lisboa:
  • as fundidas:  Belém; Alvalade; Areeiro; Santo António; Santa Maria Maior; Estrela; Campo de Ourique; Misericórdia; Arroios; São Vicente; Avenidas Novas; Penha de França; Santa Clara;

  • as mantidas; Ajuda; Alcântara; Benfica; São Domingos de Benfica; Marvila; Beato; Lumiar; Carnide; Olivais e Campolide.

Para quem quiser rever é a lei nº56/2012 relativa à reorgarnização administrativa de Lisboa.




(Maria Isabel Saunders nº20952)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

XIX Governo constitucional


“Álvaro Santos Pereira aterrou ontem em Lisboa no Aeroporto da Portela, a menos de 24 horas de tomar posse como titular do superministério da Economia. O independente que vivia no Canadá terá a seu cargo um dos ministérios cuja orgânica será mais alterada, por abarcar as áreas dos transportes, das obras públicas, das telecomunicações e do emprego. Os secretários de Estado deste ministério terão de ter perfil de ministro. Os convites para a segunda linha do governo só começam a ser oficializados depois da tomada de posse do executivo, que acontece hoje ao meio-dia no Palácio da Ajuda. Porém, os primeiros contactos já começaram a ser feitos, sendo a equipa das Finanças - liderada por Vítor Gaspar - a mais avançada. Luís Morais, ex--director-geral do Orçamento, é apontado pela imprensa como um nome provável para a secretaria de Estado do Orçamento e dado como próximo do ministro das Finanças. Já Maria Luís Albuquerque, do Instituto de Gestão do Crédito Público e cabeça-de-lista do PSD por Setúbal, é falada para a secretaria de Estado do Tesouro.

Tal como aconteceu com o executivo, que foi reduzido a 11 ministros, a ordem na segunda linha também é cortar. A equipa estará terminada até ao final da semana e não deve ultrapassar as 27 secretarias de Estado. A tomada de posse acontece, provavelmente, no próximo sábado e o CDS-PP dificilmente chegará às dez secretarias de Estado.
Hoje Passos Coelho reúne às 16 horas pela primeira vez a equipa governamental em Conselho de Ministros extraordinário. O encontro não tem ordem de trabalhos pública e não será seguido do habitual briefing, mas terá na agenda a orgânica do executivo. A secretaria de Estado da Defesa Nacional ou as secretarias de Estado da Indústria e do Comércio podem ser pastas a extinguir. (…)”.


Fonte: jornal ionline


            A notícia supra citada pode ser conjugada com o capítulo “A Torre de Babel – A Administração Pública Portuguesa” e, em especial, com o terceiro ponto do capítulo, acerca da Administração estadual directa. Com ela têm íntima relação algumas palavras que se encontram no texto da notícia, designadamente, a referência aos ministérios, aos secretários de Estado e ao Conselho de Ministros.
            Falar em ministérios, secretários de Estado e Conselho de Ministros, impõe, antes de mais, uma breve abordagem acerca da acepção de Estado. Para o Direito Administrativo, tem primacial importância a acepção administrativa de Estado, isto é, o Estado enquanto pessoa colectiva pública, que exerce a actividade administrativa [1]. Para cumprir a suas atribuições, quer isto dizer, os seus fins e objetivos, o Estado carece de órgãos, competentes para a tomada de decisões da pessoa colectiva a que pertencem. No seu âmago encontramos o Governo, órgão político e administrativo, cuja função e estrutura surgem expressamente enunciados na Constituição portuguesa, nos artigos 182º e seguintes.
            O exercício administrativo concretiza-se colegialmente, através do Conselho de Ministros (184º CRP) e, individualmente, através dos demais membros do Governo [2]. Este é, então, composto pelo Primeiro-Ministro, pelos Ministros, Secretários de Estado e Subsecretários, e, eventualmente, por Vice-Primeiros-Ministros (183º CRP).
            Cada membro do Governo exerce as respectivas competências, determinadas constitucionalmente, pelo que aos ministros compete a execução da política definida para os seus Ministérios e a garantia das relações entre o Governo e os demais órgãos do Estado (201/ 2 CRP). Ora, é precisamente a problemática do número de Ministérios que a notícia procura pôr em relevo. Afinal, para além do Primeiro-Ministro, qual a importância do número de Ministérios e, consequentemente, do número de Secretários de Estado?
            O XIX Governo constitucional é composto por um Primeiro-Ministro, onze Ministros e trinta e sete Secretários de Estado [3], o que, em comparação com o anterior Governo constitucional [4], traduz a redução do número de membros do órgão administrativo.
            Com a redução do número de ministérios, surgem “superministérios”, designação patente na notícia e, ainda, adotada pelo Professor Vasco Pereira da Silva, para introduzir a problemática. Assim, concentram-se, no ministério da economia e do emprego uma ampla realidade económica e laboral, em que se inserem, entre outros, a indústria, os transportes, as telecomunicações e o turismo. O mesmo sucede com o ministério da agricultura, do mar, do ambiente e do ordenamento do território que, em regra, daria origem a diferentes ministérios. Há ainda, por outro lado, atribuições sem quaisquer ministérios, como é exemplo a pasta da Cultura, delegada a um Secretário de Estado.
            Sucede que, não havendo uma hierarquia [5], cada membro do Governo distingue-se, ainda assim, dos demais e, como tal, Ministros e Secretários de Estado não se confundem, uma vez que estes têm competência delegada e, além disso, não participam no Conselho de Ministros (184º CRP).
            A redução do número de ministérios implica a ampliação dos demais, que se tornam, de acordo com Vasco Pereira da Silva, “ingovernáveis”, inoperáveis. Além do mais, também os Secretários de Estado, que exercem competência no plano nacional e na união europeia, contribuem para a entropia do actual Governo. Assim, pode suceder que determinado ministério, o do ambiente, por exemplo, possa confrontar-se com duas reuniões, uma do Conselho de Ministros, e outra no âmbito da União europeia.
            Em conclusão, em consonância com a notícia, de Junho de 2012, também o Professor Vasco Pereira da Silva nos confrontou com a gravidade da redução do número de membros do Governo, que, do ponto de vista da Ciência do Direito Administrativo, é criticável.

[1] Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, vol. I, 3ªed., 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2008, página 220;
[2] Ibidem, p. 249;
[3] XIX Governo constitucional. Disponível em http://www.portugal.gov.pt/pt/o-governo.aspx [24:00];
[4] XVIII Governo constitucional. Disponível em http://www.portugal.gov.pt/pt/o-governo/arquivo-historico/governos-constitucionais/gc18/composicao.aspx [24:00];
[5] Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, vol. I, 3ªed., 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2008, página 251 e ss;