terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Associações públicas - associações de municípios



                A alínea d) do artigo 199º da Constituição estabelece que compete ao Governo, no exercício das suas funções administrativas, «dirigir os serviços e a actividade directa do Estado, civil ou militar, superintender na administração indirecta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma».[1] A partir deste artigo, como explica Freitas do Amaral, podemos divisar três modalidades de administração pública: a administração direta, a administração indireta e a administração autónoma.
                A definição de cada uma dessas modalidades, confronta-nos com o conceito de pessoa colectiva pública ou de direito público. Este conceito reconduz-nos à distinção entre entidades públicas e privadas, visto que se assiste, contemporaneamente, à criação de novas realidades, que não se subsumem facilmente ao conceito tradicional de Administração Pública.
                Para Freitas do Amaral, a distinção entre pessoa coletiva pública e privada é possível, útil e necessária, decorrendo da lei, que lhe atribui consequências práticas.[2] Deste modo, para o Professor, não há pessoas coletivas privadas que façam parte da administração pública. Esta visão tradicional aproxima-nos, por sua vez, do tema em apreço: as associações públicas e, em especial, as associações de municípios.
                Antes de explicar em que é consistem as associações, Freitas do Amaral define a administração autónoma, “ (….) que prossegue os interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas atividades (…) ”[3]. Nela, há várias espécies de entidades públicas que fazem parte da Administração autónoma: as associações públicas, as autarquias locais e, por fim, as regiões autónomas.
                As entidades de tipo associativo são compostas, por conseguinte, por um agrupamento de pessoas, que prosseguem autonomamente fins públicos pertencentes a um grupo de pessoas com esse fim comum. Podemos triparti-las, de acordo com a doutrina tradicional, em associações de entidades públicas, associações públicas de entidades privadas e associações públicas de caráter misto. As primeiras resultariam da associação, união ou federação de entidade públicas menores e, especialmente, de autarquias locais; já nas associações públicas de entidades privadas importa destacar, designadamente, as ordens profissionais; por último, nas associações públicas de caráter misto, encontramos, numa mesma associação, pessoas coletivas públicas e pessoas coletivas privadas.[4]
                Através da definição e a tripartição das associações públicas proposta por Freitas do Amaral, afastaríamos delas as associações privadas. Todavia Vital Moreira, defende, por sua vez, na sua tese de doutoramento, que a associação pública não deixa de ser, por definição, uma entidade baseada num conjunto de pessoas que se reúnem em função de um interesse comum. Daqui resulta que as associações públicas, “ (…) que têm por escopo a representação e prossecução dos interesses de uma determinada categoria (…) ou agrupamento social, não diferem estruturalmente das associações privadas. Por mais que as exigências de publicidade reclamem um regime especial das associações públicas face às demais associações, há sempre algo que permanece incontornável: o facto de numas e noutras existir umas coletividade de pessoas organizada numa estrutura gerida por representantes seus e votada à prossecução de interesses próprios dessa mesma coletividade.”[5] Deparamo-nos, portanto, na Administração Pública, com uma tensão entre interesse público e associativismo.
                A tensão entre o interesse público e os interesses individuais, em face das associações públicas e privadas coincide com o problema clássico da distinção entre entidades públicas e privadas, ainda que, como salienta Vital Moreira, a questão da distinção seja, nas associações, suplementarmente complicada, visto que as associações públicas têm por regra como substrato uma coletividade de particulares.[6] Esta conclusão reforça, aliás, a tese defendida por Alexandra Leitão, segundo a qual a natureza pública da pessoa coletiva derivaria do interesse, público ou privado, e não do seu modo de criação.[7]
                A criação por um ato privado não confere natureza privada, quer por prosseguir o fim público, quer por estar sujeito a regras de Direito Administrativo. Na sequência desta visão, podemos encontrar no ordenamento jurídico português casos em que o “nomen iuris” utilizado pelo legislador chega a ser contraditório com o regime jurídico estabelecido no mesmo diploma legal, ou resultante do ordenamento jurídico no seu conjunto.[8]
                Na sequência destas conclusões, as associações de municípios são um exemplo adequado, pela controvérsia em torno do regime jurídico que lhe é aplicável, visto que está, na verdade, como defende Alexandra Leitão, submetido a vinculações jurídico públicas. Importa, então, pelo interesse da questão, proceder a uma breve análise crítica da Lei nº45/2008.[9]
                Antes de mais, importa notar que o associativismo municipal é um elemento vital no reforço do poder local, consagrando os princípios da descentralização e da subsidiariedade consagrados na Constituição da República Portuguesa.
                Com o início de vigência, a 27 de Agosto de 2007, do Regime Jurídico de Associativismo Municipal, determinar-se-ia a tipologia, a natureza e a constituição das associações de municípios, divididas em associações de fins múltiplos e de fins específicos.
                De acordo com o artigo 2º/ 2, da Lei n.º 45/2008, “as associações de municípios de fins múltiplos, denominadas Comunidades Intermunicipais (CIM), são pessoas colectivas de direito público constituídas por municípios que correspondam a uma ou mais unidades territoriais definidas com base nas Nomenclaturas das Unidades Territoriais Estatísticas de nível III (NUT III) e adoptam o nome destas”. Por conseguinte, o n.º 4 do mesmo artigo define as associações de municípios de fins específicos enquanto “(…) pessoas colectivas de direito privado criadas para a realização em comum de interesses específicos dos municípios que as integram, na defesa de interesses colectivos de natureza sectorial, regional ou local”.
                Ao invés da legislação anterior, a presente lei atribui às associações de municípios de fins específicos natureza privada, pelo que todo o funcionamento destas associações passa a ser regulado pelo direito privado. No entanto, o legislador, nos termos do art. 38º/5, ressalvou a possibilidade das associações de fins específicos já constituídas manterem a natureza de direito público. Salvo esta exceção, confrontamo-nos com o regime jurídico das associações de municípios bastante desenvolvido nos artigos 2º a 33º e, por outro lado, com um regime pouco desenvolvido das associações de municípios de fins específicos, constante, em geral, nos artigos 34º a 37º.
                Por último, cumpre destacar o seguinte excerto de Vitor Bruno de Sá Santos: “Parece evidente que na redacção da lei actualmente em vigor, o legislador encara com desfavor as associações de municípios de fins específicos, contrastando este facto com o tratamento que concede às associações de municípios de fins múltiplos, desfavor evidenciado, desde logo, na diversidade de regimes jurídicos e, no que respeita ao regime jurídico das associações de municípios de fins específicos, nas dificuldades de articulação entre o regime jurídico privado e os regimes de direito público a que a lei obriga. O regime jurídico das associações de municípios de fins múltiplos está vocacionado para que estas possam gerir fundos comunitários e demais investimentos provenientes da Administração Central, assim como receber recursos financeiros, fixados na lei, por transferência do orçamento de Estado, o que já não é evidente no que às associações de municípios de fins específicos concerne.”[10]
                Em conclusão, tal como explica Alexandra Leitão e Vital Moreira, a distinção entre entidades públicas e privadas suscita problemas, que estão, em especial, presentes nas associações. Em face deste problema delicado, a análise crítica dos diplomas legais é essencial, porque, por vezes, o próprio legislador cria regimes jurídicos que são, por conseguinte, igualmente controversos.

[1] Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, vol. I, 3ªed., 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2008, página 417;
[2] Ibidem, p. 751;
[3] Ibidem, p. 420;
[4] Ibidem, pp. 422 e sgts;
[5] Vital Moreira, “Administração autónoma e associações públicas”, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, páginas 398 e 399;
[6] Ibidem;
[7] Alexandra Leitão, Contratos interadministrativos , orient. Sérvula Correia. - Lisboa : Almedina, 2011, Tese de doutoramento, Ciências Jurídico-Políticas (Direito Administrativo), Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2011;
[8] Ibidem;
[10] Comentário à Lei 45/2008. Disponível em http://www.autarnet.pt/pareceres-htm/administrativos/3123.html.

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