quinta-feira, 22 de novembro de 2012

"As gorduras do Governo"


 «Oposição impõe cortes nos gabinetes políticos

PS recusa avançar com alterações para abranger a Presidência da República

Nova coligação negativa. Toda a oposição aprovou ontem um diploma do CDS que reduz os vencimentos de membros de gabinetes governamentais e autárquicos em 5%, ou seja, na mesma percentagem do corte dos titulares de cargos políticos. O corte de 5% no vencimento dos titulares de cargos políticos foi uma medida decidida no âmbito do pacote de austeridade negociado pelo Executivo e pelo PSD de Pedro Passos Coelho, e seria aprovada na AR por unanimidade. Já quanto ao alargamento defendido pelo CDS, o Governo e o PS consideraram ser uma medida "demagógica", com o ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, a afirmar mesmo que se "trata de trabalhadores que não desempenham uma função política".
Jorge Lacão frisou, ainda, que a iniciativa viola o princípio da "igualdade", pois "não se aplica àqueles que integram gabinetes no quadro orgânico da Presidência da República ou que estão nos gabinetes dos grupos parlamentares da Assembleia da República".
Vítor Baptista, deputado do PS, referiu ao DN que a sua bancada não tenciona, no entanto, propor alterações durante o debate na especialidade, designadamente tendo em vista incluir os quadros da Presidência e dos grupos parlamentares nestes "cortes" de vencimentos. "Consideramos a iniciativa do CDS totalmente demagógica, pelo que não vamos fazer propostas na especialidade", frisou o deputado, que assim rejeitou o repto lançado por Assunção Cristas, da bancada do CDS, que tinha mostrado a abertura dos populares para se alargar o regime destes cortes de vencimentos.
A proposta do CDS defende que depois de ter sido introduzido um corte nos vencimentos dos políticos - na segunda versão do PEC - se devia avançar com a mesma redução para os membros dos gabinetes dos ministros, dos presidentes e vereadores das câmaras municipais, dos governadores civis e dos gabinetes da Assembleia da República.
Assunção Cristas lembrou ainda que, apesar de ter sido apresentada como uma medida simbólica, a classe política tem a obrigação de dar o exemplo.
"Todos sabemos que a medida de corte dos salários dos políticos é mais simbólica do que proveitosa do ponto de vista da consolidação orçamental, mas a verdade é que deixar de fora o staff político de apoio a esses cargos é passar uma mensagem errada", sustentou, no debate .
A deputada do CDS considerou que "um chefe de gabinete ou um adjunto são pessoas de nomeação política", uma vez que ajudam os titulares de cargos políticos "a exercer a sua função política". Ou seja, o CDS não vê qualquer razão para estes quadros ficarem fora deste corte de vencimentos.
Apesar de toda a oposição ter apoiado a iniciativa do CDS, Luís Fazenda, do BE, disse que a bancada popular tem "falta de autoridade política e moral" para avançar com a medida, uma vez que Paulo Portas pagava "ordenados principescos" quando era ministro da Defesa.»

Fonte: Diário de Notícias, 17 de Julho de 2010.



                A presente notícia remete-nos para uma problemática atualíssima, para a qual o Direito Administrativo não pode fechar os olhos: assistimos à criação de uma Administração paralela, composta por membros da especial confiança dos Ministros, a que Vasco Pereira da Silva designou, criativamente, “gorduras do Governo”. Estas “gorduras” não são, aliás, exclusivas dos Ministérios, estendendo-se igualmente aos municípios e à Assembleia da República, por exemplo. Estamos, portanto, perante um tema crucial que, do ponto de vista do Direito Administrativo, impõe que nos centremos em torno dos Ministérios.
                Antes de mais, esta problemática centra-se em torno da Administração direta, que exerce a função administrativa através dos órgãos do Estado enquanto pessoa coletiva. O Governo é, por sua vez, o órgão primário da Administração direta, do qual fazem parte os Ministérios, constituídos pelos respetivos gabinetes. Chegamos, deste modo, sistematicamente, ao ponto crucial do tema em discussão: é precisamente nos gabinetes dos Ministérios que se concentram grande parte das “gorduras do Governo”.
                O atual Governo constitucional, procurando por um termo às controvérsias geradas em torno dos Gabinetes ministeriais, aprovou recentemente o DL nº11/2012[2] e o DL nº12/2012[3], acerca da composição, da orgânica e do regime jurídico dos gabinetes dos membros do Governo e do Primeiro-Ministro.
                O DL nº 11/2012 transparece, desde logo, o intuito de amenizar, atualizando o regime dos gabinetes, a polémica gerada em seu torno. No entanto, nem por isso deveremos descartar a análise mais aprofundada do DL. Assim, nos primeiros artigos, verificamos que o gabinete é composto por diversos membros que apoiam a atividade política do Governo, coadjuvando-o no exercício das suas funções (art.s 2º e 3º).
                A referência aos secretários pessoais dos ministros (art. 3º) é, para o tema em apreço, intrigante, visto que são livremente designados e exonerados (art. 11º), salvo quando se verifiquem os limites estipulados no artigo 4º, que, curiosamente, não se aplicam aos secretários pessoais.
                Os secretários pessoais prestam, de acordo com o art. 6º/3, apoio ao membro do Governo e ao respetivo gabinete. Este “apoio”, por determinar, justifica, por sua vez, a existência de secretários pessoais não só nos gabinetes dos ministros, como também nos gabinetes dos secretários e subsecretários de Estado (art. 4º/ 1, 2 e 3). Por outro lado, como consequência deste “apoio”, os secretários pessoais gozam de algumas “regalias”, pelo que lhes fica assegurado, designadamente, o regresso à situação jurídico-funcional que exerciam anteriormente e o usufruto dos benefícios sociais que possuíam na sua originária situação profissional. As “regalias” de que gozam os membros do gabinete não se limitam, aliás, ao artigo 11º, visto que também o artigo 13º contém disposições que suscitam alguma controvérsia, nomeadamente, a somar com as “garantias” do artigo 11º, o “direito de opção” pelo estatuto remuneratório correspondente ao trabalho de origem (art.11/ 8).
                 Os gabinetes políticos constituem entidades estranhas aos Ministérios, tal como a breve análise do DL nº11/2012 permite concluir. Para além deste, também do DL nº12/2012 permitir-nos-á chegar a semelhante conclusão: à existência de secretários pessoais - quinze, no Gabinete do Primeiro-Ministro (DL nº12/2012) – somam-se, consequentemente, dúvidas quanto aos mecanismos de controlo aplicáveis aos gabinetes políticos. Vasco Pereira da Silva levantou, aliás, a hipótese de se tratar de uma inconstitucionalidade.
                Em síntese, a existência destes gabinetes transporta-nos para um “limbo” em termos de funcionamento democrático, que levanta sérios problemas, pelo que deve ser discutido pelos estudiosos do Direito Administrativo.


[2]DL nº12/2012. Disponível em http://www.dgap.gov.pt/upload/Legis/2012_dl_12_20_01.pdf [21:00];
[3]DL nº11/2012. Disponível em http://www.dgap.gov.pt/upload/Legis/2012_dl_11_20_01.pdf [21:00].

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