segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Direito Administrativo e Política

O Direito Administrativo como ramo de Direito nasceu de uma decisão política, dos Governos. Foi criado com um intuito, assegurar a prossecução (eficaz) do interesse público.
 Nenhum princípio de Direito Natural nem nenhum postulado lógico-dedutivo obrigam à sua existência (como área autónoma) ou decretam uma evolução tendencial.
 Surgiu, como ramo jurídico a se, na Revolução Francesa, ao mesmo tempo que se proclamava a liberdade, igualdade e fraternidade. No entanto, não se pode afirmar que tenha sido uma emanação da nação soberana. Claramente afastava-se dos princípios liberais, sendo nítida a influência das necessidades conjunturais daquela época turbulenta, bem como de soluções próximas, por vezes, das absolutistas.
 O Direito Administrativo francês deste período é caracterizado, nomeadamente por Vasco Pereira da Silva, como "criação de um direito privativo da Administração", e assim, este autor e grande parte da doutrina transparecem que, nos seus primórdios, o Droit Administrátif não era, por referência ao conceito ocidental  contemporâneo, verdadeiro Direito. Resultava de uma peculiar (distorcida, por motivos não relevantes para este artigo) interpretação do princípio da separação dos poderes: num tempo de ruptura política, cisão social e mudança de paradigmas, o poder da Administração sobrepunha-se e legitimava a actuação da Justiça (pelo menos no relativo à Administração), menos permeável à inovação e, assim, mais identificada com o Antigo Regime.
 Actualmente os Governos não podem deixar de ser fiscalizados pelo poder judicial, no tempo da Revolução Francesa sucedia o oposto: a Administração julgava-se a si mesma e o princípio da legalidade era menos restritivo do que hoje em dia.
Vasco Pereira da Silva refere-se habitualmente à primeira fase deste ramo de Direito como "infância traumática", e a imagem é sugestiva. O propósito da sua criação é a prossecução do interesse público ( e a regulação jurídica da actuação administrativa), sendo um fim legítimo e necessário. No entanto, os meios não foram idóneos, e um dos exemplos mais citado é o "caso Blanchot", que demonstra paradigmaticamente as dificuldades de compatibilização entre a teoria e a realidade neste ramo recente: para optimizar os seus fins, a comunidade  institui o Estado e elege os seus representantes (soberania popular), e o Estado cria, para prosseguir eficazmente o interesse público, o Direito Administrativo, que muitas vezes entra em conflito com os interesses dos particulares, denegando os seus direitos, que ao Estado cabe proteger.
 O Direito Administrativo começou por ser uma área política quase-jurídica (embora legal e com pretensões de juridicidade plena) que, progressivamente e por factores predominantemente não-jurídicos, se jurisdicizou, e ainda hoje permanece como um dos ramos jurídicos mais umbilicalmente ligados à cúpula político-administrativa do Estado.  
 Marcelo Rebelo de Sousa afirma que uma das características principais deste direito é ser "conjunturalmente mutável", estando em "acentuada dependência em relação às grandes concepções e também às estruturas políticas, económicas, sociais e culturais do seu tempo, mais do que sucede no Direito Privado.
 Da análise da criação e evolução do Direito Administrativo depreende-se uma estrutura anomalamente maleável em relação à maioria dos outros ramos jurídicos (sobretudos os não-públicos).
 Certamente pela sua visão do tema, e por serem mais juristas do que políticos, muitos autores, como Freitas do Amaral, dão primazia à juridificação da Administração, o que, sendo o mais correcto do prisma juscientífico, desconsidera factores não jurídicos que, muitas vezes, inflectem substancialmente o panorama jurídico vigente, retirando assim capacidade prospectiva à análise.
 A Administação evoluiu na forma como interage com a sociedade, e foi ultrapassada a dicotomia redutora administrador/administrados. Poderá um Governo (com o indispensável apoio de uma maioria parlamentar), modificar o enquadramento jurídico geral da sua actuação? Terá legitimidade (conceito jurídico) para alargar substancialmente a sua competência? Terá poder (conceito sociológico) para restingir o núcleo da sua acção ou, noutra formulação, mudar o paradigma administrativo?
 A Constituição Portuguesa de 1976 centra o tratamento da Administração Pública no seu título IX (artigos 266 a 272). O 266,1 CRP equilibra objectivismo e subjectivismo (bem como o 267,5 CRP), almejando ser ideologicamente neutro e socialmente justo ( sendo que a eficácia é, neste campo, factor de justiça) A providência cautelar, fundamental na defesa dos interesses dos particulares, é consagrada no 268,4 e 268,5 CRP.
 O tratamento constitucional desta disciplina é, como já foi referido, moderado ideologicamente, e a Constituição confere ao legislador uma considerável (e imprescindível) discricionariedade, ao mesmo tempo que permite aos particulares impugarem "preventivamente" tudo o que de novo surgir .A ponderação destas duas forças contrárias recairá, muitas vezes, no Tribunal Constitucional.
 O Governo muda a cada quatro anos, e o rumo político é ainda mais instável e flutuante, e poucos factores contribuem para garantir que o Direito Administrativo seja menos oscilante do que as direcções políticas.

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