quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Comentário à noticia sobre a desigualdade, publicada pela Sofia


Isto nao é, na minha opinião, direito administrativo, mas a questão é muito importante.
 A desigualdade é dos temas mais debatidos da actualidade. Comecemos pelo inicio. A desigualdade é um facto inultrapassável e resistente a qualquer actuação política e legislativa. A igualdade absoluta nao merece sequer o nome de utopia (algo desejável e idealista), pois é a mais injusta e totalitária concepção, viola gritantemente a liberdade de todos e de cada um.
 A desigualdade, reflexo pálido e contemporâneo do antagonismo patente na expressão "luta de classes",foi abordada por toda a Europa nos séculos XIX e XX, com o surgimento do Estado-social em Inglaterra ( e o welfare state que lhe sucede)e, a partir da Revolução bolchevique, com a vitória pírrica do marxismo-leninismo na Rússia.
 Estas duas vias marcaram o século XX e ainda hoje estão vivas. Quanto à tentativa de implantação do comunismo na Rússia, pugna-se publicamente pela igualdade absoluta entre todos, independentemente do seu mérito e esforço. Considero injusto utilizar Estaline como paradigma, pois foi um assassino de massas, genocida, um czar marxista. Lenine aproxima-se mais dos padrões ocidentais. Tendo começado como intelectual marxista, sobe ao poder na Rússia e empreende uma actuação política congruente com o ideário marxista-leninista: expropriações, requisições forçadas, comunismo de bens e terras, etc. A política falha escandalosamente, e o povo morre à fome, Em face da realidade, Lenine percebe, tardiamente para os milhões que já morreram mas cedo o suficiente para as gerações seguintes, de que a igualdade absoluta e os mecanismos que pretensamente a procuram são indigestos quando passam da fantasia do livro para a realidade. A resposta de Lenine é decisiva e histórica: sob uma elaborada doutrina, o socialismo cede face ao capitalismo e à liberdade individual, a igualdade absoluta é abandonada em benefício da dignidade de todos.  
 Afastando-nos deste debate socialismo/ liberalismo (e capitalismo) tiramos desta discussão qualquer solução pseudo-neo-marxista que alguns esquerdistas pretendem. Há duas formas de atacar a desigualdade: pelo topo ou pelo fundo. Assim, ou se diminui a riqueza relativa do topo diminuindo o fosso, ou se aumenta a riqueza da parte mais pobre da população. A primeira parte parece levar à segunda, mas assim não é, os mais desfavorecidos beneficiam, tendencialmente, com a riqueza dos mais ricos, pois a geração de emprego e a subsistência da classe média dependem da quantidade de capitais disponíveis e da promoção, pelo Estado e por privados, da inovação. Se o fosso diminui em tempos de austeridade, não é por uma "igualização" progressiva do rendimento, mas pelo empobrecimento global da sociedade, que não beneficia ninguém.
 O Estado deve fornecer um enquadramento normativo que apoie o emprego e a segurança dos cidadãos, mas cada vez mais terá de o fazer nos quadros legais do Direito civil, e com respeito rigoroso pelo princípio da legalidade. Não se podem implementar políticas que culpabilizem a riqueza ou a inovação, assim cair-se-ia (já se caiu?) num imobilismo político, social e económico que, cristalizando um ideal ultrapassado e soluções anacrónicas, dificulta exponencialmente a adaptação indolor à realidade. Deve-se, isso sim, e com o apoio dos quadros mentais e dos princípios direito administrativo (o interesse público, sobretudo), superar dificuldades que obstam ao avanço qualitativo do enquadramento legislativo luso em termos de igualdade, emprego, riqueza e outros temos especialmente presentes em tempos severos, como por exemplo a criminalização do enriquecimento ilícito,a flexibilização dos processos judiciais para evitar que a demora inutilize a justiça, a blindagem de contratos como as PPP, o financiamento com dinheiros públicos de fundações não reconhecidas pelo Estado, etc. No entanto, não se pode incorrer no vício oposto, pois, na maioria das situações, se o Estado cessa abruptamente com a sua forma de actuar as consequências sociais são incalculáveis.
 Os maiores interesses do Estado são a liberdade e a legalidade, mas tudo isso são construções humanas, e se não as defendermos elas serão atacadas e preteridas, como se viu na Alemanha nazi e em muitos outros estados. O direito pode não ter de ser moral, mas dificilmente poderá ser imoral

Peço desculpa por me ter afastado do tema do blog, e sobretudo por o texto ser enorme. A noticia que a Sofia colocou  leva-nos a debater mais do que o objecto deste blog, mas penso que o direito administrativo pode ajudar a resolver alguns dos problemas da excessiva desigualdade; no entanto para cumprir a sua função pragmática, tem de seguir os princípios da Constituição e evoluir

Diogo Conchinhas

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