domingo, 16 de dezembro de 2012

Alteração das Circunstâncias no Direito Administrativo I

  Introdução
 O presente artigo tem como âmbito o regime vigente, em Portugal, da alteração das circunstâncias no Direito Administrativo. Pretende averiguar da aplicabilidade desta figura aos contratos administrativos ( como definidos no artigo 1,2 do Código dos Contratos Públicos) e, concluindo pela positiva, qual o regime em vigor, problematizando sobre a aplicação do 437 do Código Civil.
 O tema deste artigo é actual e premente, uma vez que da correcta interpretação e concretização da lei depende o destino de significativos meios financeiros do Estado, nomeadamente através da celebração de parcerias público-privadas. Para maior precisão, a maioria (em termos de dinheiro envolvido) das PPP são para a construção e manutenção de infraestruturas e, dentro destas, a parcela leonina pertence às rodoviárias. Desta opção resulta que, na maioria dos casos, a afinação doutrinária e legal desta matéria resulta de factos relacionados com estes contratos em particular.

A Alteração das Circunstâncias
 O instituto da alteração das circunstâncias é tratado no 437 do Código Civil. Antes de proceder à interpretação deste artigo, há que referir que apenas se aplica às alterações subsequentes das circunstâncias, pois a "deficiente percepção do quadro circunstancial do negócio, anterior ou contemporâneo à sua celebração, tem tratamento legal expresso no 252 CC" (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil).  O 437, 1 tem como "condições de admissibilidade": -anormalidade da alteração, esta tem de ser imprevista e imprevisível, havendo que discernir, em cada contrato, qual o seu plano de normalidade; - perturbar a justiça interna do contrato, é necessário que a alteração das circunstâncias seja grave, e que "a exigência das obrigações (...) assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé (...)"; - que "não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato", e assim, se o plano de risco do contrato definir outras regras, é de acordo com elas que se aplica o 437.
 Não parece que, na esmagadora maioria dos casos, o regime do 437 se aplique directamente aos contratos administrativos, uma vez que estes são regidos pelo Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), e este contém disposições sobre a alteração das circunstâncias, nomeadamente os artigos 312 e 332 CCP. Ocorrendo uma alteração das circunstâncias nos termos do 312 CCP, e sendo possível a subsistência da relação contratual, as partes poderão acordar a celebração de um acordo (administrativo) modificativo (311,1,a CCP), ou poderão recorrer à via judicial ou arbitral para obter esse efeito (311,1,b CCP).
 o 314 estatui as consequências da modificação objectiva do contrato: o 314, 1 estabelece que o "co-contraente privado terá direito à reposição do equilíbrio financeiro, segundo os critérios estabelecidos no presente código" (ou seja, 282 CCP), quando a alteração das circunstâncias seja imputável a uma decisão do contraente público, tomada fora do exercício dos seus poderes de conformação da relação contratual (314,1,a CCP) ou por razões de interesse público (314,1,b CCP).  O 332 CCP também releva para esta matéria. De acordo com o 332, 1,a e com o 332,2, o "parceiro privado" só pode ter direito à resolução do contrato, fundado numa alteração "anormal e imprevisível" das circunstâncias, quando a resolução "não implique grave prejuízo para a realização do interesse público", ou quando "a manutenção do contrato ponha manifestamente em causa a viabilidade económico-financeira do co-contratante ou se revele excessivamente onerosa", e neste caso há que ponderar os interesses públicos e privados em presença (332,2, in fine). Nos termos do 332,3 CCP, "o direito de resolução é exercido por via judicial ou mediante recurso à arbitragem".
 O contraente público também pode exercer o direito à resolução do contrato com base na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, nos termos do 335 CCP, no entanto, o 335,2 determina que "quando a resolução do contrato por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias seja imputável a decisão do contraente público fora dos seus poderes de conformação da relação contratual, o co-contraente tem direito ao pagamento de justa indemnização, nos termos do disposto no artigo anterior" (334, resolução por razões de interesse público).
 Assim, foi solucionada a questão da aplicação do 437 CC aos contratos administrativos. Este preceito, de direito civil, não se aplica, uma vez que o CCP prevê, no artigo 280,3, que o direito civil se aplica subsidiariamente, na ausência de disposições especiais no CCP, em lei especial, ou noutras normas de direito administrativo. Do exposto não resulta menor importância do instituto da alteração das circunstâncias no direito administrativo, uma vez que o CCP tem, nos artigos supracitados (312, 332, etc.), um regime semelhante ao do 437 CCP, embora mais moderno, devido ao tempo decorrido entre a entrada em vigor do Código Civil e do Código dos Contratos Públicos.









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