domingo, 16 de dezembro de 2012

Alteração das Circunstâncias no Direito Administrativo II


Considerações sobre o regime de alteração das circunstâncias vigente no CCP
 Uma vez que já foram apresentadas as normas do Código dos Contratos Públicos relevantes para o âmbito deste artigo, cabe agora proceder a uma apreciação crítica destes. Quanto ao regime geral, é especialmente importante o Capítulo V do Título I da Parte III do CCP (artigos 311 a 315), bem como o Capítulo VIII do Título I da Parte III do mesmo diploma (artigos 330 a 335), não descurando o papel de outros artigos, como o 282 (reposição do equilíbrio financeiro).
 Este Código dos Contratos Públicos é geralmente tido como equilibrado, adequado à protecção do contraente público,e dos privados. De facto, o regime consagrado não comporta nenhuma injustiça flagrante, e não é anacronicamente objectivista (é paradigmático o artigo 334, relativo a resolução por razões de interesse público, que consagra a justa indemnização para os privados quando tal resolução ocorra). No entanto, há que avançar que uma lei não pode ser avaliada apenas pelas suas estatuições abstractas: tem de se comparar os resultados que vai produzindo na sua vigência com o plano de justiça almejado pelo legislador aquando da sua feitura ( mesmo que tais leituras não sejam relevantes na interpretação da lei, sê-lo-ão, forçosamente, na elaboração de novo preceito sobre o mesmo tema).
 Já referi que considero o regime geral da alteração das circunstâncias ( "modificações objectivas do contrato") justo e equilibrado, conquanto pressuponha um equilíbrio negocial em cada negociação, o que é problemático em certos casos (e extra-jurídico). Aliás, se a lei fosse mais protectora das entidades públicas, tais disposições poderiam ser ineficazes (já para não dizer inválidas), uma vez que a lei comunitária sobrepõe-se à lei ordinária de Portugal. Assim, os particulares conseguiriam, com elevado grau de probabilidade, impugnar decisões baseadas em tais normas, e conseguiriam avultadas indemnizações. Assim, e paradoxalmente, uma lei mais objectivista leva a um duplo detrimento da prossecução do interesse público:  o dispêndio com as compensações, e não se atingem os fins pretendidos. 
 O 311 CCP permite (com base nos fundamentos estatuídos no 312 CCP) que o contrato pode ser modificado através de: - acordo entre as partes (contrato administrativo modificativo), baseado no 311,1,a CCP; - através de decisão judicial ou arbitral (311,1,b CCP). Da análise do 311 do Código dos Contratos Públicos resulta que pode haver várias formas de manter a relação jurídica em funcionamento, de acordo com o plano de justiça do contrato em concreto.A solução proposta no 311,1,a (acordo modificativo entre as partes) é a forma mais amplamente utilizada, uma vez que permite manter a decisão entre as partes, e é economicamente mais eficiente do que recorrer à via judicial ou arbitral. 
 No entanto, da análise do real retira-se que as renegociações tendentes à celebração do novo acordo, apesar de exigirem a mesma solenidade formal, não exigem a mesma complexidade procedimental, pelo que amiúde resultam em decisões desequilibradas e mesmo ruinosas. Um exemplo claro é a transferência do risco da procura para o ente público ( o que contraria o princípio da eficiência que deve nortear as PPP). Estes acordos excessivamente onerosos para o parceiro público são legais, mas baseiam-se em estudos económicos e em projecções de procura (nomeadamente, estimativas de tráfego), excessivamente optimistas, no mínimo. Caso não existissem tais estudos "legitimadores" das renegociações, poder-se-ia problematizar acerca da violação do 281 CCP (proporcionalidade e conexão material das prestações contratuais).

O Interesse Público no CCP
 O CCP admite, no seu artigo 334,1 que "o contraente público pode resolver o contrato por razões de interesse público, devidamente fundamentado, e mediante o pagamento ao co-contaente de justa indemnização" O 334, 2 estabelece que "a indemnização a que o co-contraente tem direito corresponde aos danos emergentes e aos lucros cessantes, devendo, quanto a estes, ser deduzido o benefício que resulte da antecipação dos ganhos previstos". Apesar desta parte final, este regime é mais benéfico para os privados do que resulta do mesmo regime no direito civil (quer 483 CC quer 798 CC).
 O 334,3 ainda agrava mais a onerosidade do recurso à resolução por razões de interesse público, ao estipular que a falta de pagamento da indemnização  nos 30 dias subsequentes à fixação definitiva do montante "confere ao co-contratante o direito a pagamento de juros de mora sobre a respectiva importância", enquanto que o Estado usualmente demora mais do triplo desse tempo a solver os seus compromissos (nomeadamente, pagamentos a fornecedores).
 O regime do 334 é compreensível à luz do panorama geral claramente subjectivista e avesso ao exercício de poderes discricionários que prejudiquem os privados. 

a Margem de Liberdade do CCP e o problema da corrupção
Já foi confirmado que o CCP é equilibrado e que potencialmente acautela os interesses legítimos de ambas as partes na negociação. Consagra uma margem de liberdade da Administração, mas sem descurar a protecção dos privados.
 Há que indagar, então, de onde nascem os infinitos e ruinosos casos que todas as semanas são propalados na comunicação social. Concluo que não há nenhum défice estrutural no bloco da legalidade aplicável. Se o problema não é da lei, o seguimento lógico é analisar os sujeitos que compõem a Administração Pública. Haverá alguma factor nos orgãos decisores que os levem a cometer sistematicamente o mesmo tipo de erros? Também urge levantar o problema imediatamente conexo ao anterior: o da responsabilização/ desresponsabilização dos gestores e quadros intermédios no sector público.
 As PPP foram alvo de elogios e de aprofundamento doutrinário, sobretudo nos países que mais celeremente as adoptaram (como o Reino Unido). Portugal não foi excepção, e os nossos governos mantiveram-nas como um vector importante da sua política económica, no entanto, os seus benefícios, sobretudo a longo prazo, não são tão claros quantos os seus teóricos pensavam.
 O problema da responsabilização dos gestores e quadros intermédios do sector público é de difícil solução, no entanto, é possível enumerar os principais momentos em que a orgânica pública está mais permeável à corrupção: - na definição de qualificações para concursos públicos, podendo beneficiar de forma injusta e intencional certa empresa; - fugas de informação quanto a propostas recebidas, permitindo baixar artificialmente os preços de venda; - pressões para renegociar as PPP e leveza nos acordos modificativos; - gestores públicos aceitarem cargos nas empresas com as quais interagiram, possibilitado pela inexistência de um "período de nojo".

Conclusão
Na introdução a este artigo propus-me a verificar da aplicabilidade do instituto da alteração das circunstâncias ao Direito Administrativo (aos contratos administrativos). Aplicam-se as disposições do CCP sobre a matéria, não o 437 do CC. Depois, procedi à análise do regime jurídico vigente, o CCP, concluindo pelo seu equilíbrio e adequação ao panorama jurídico luso e europeu.
No entanto, também referi que, muitas vezes, esta potencialidade de protecção do interesse público compatibiliza-se mal com as disparidades de capacidade negocial entre o público e os privados, Aliás, a diferença entre "parceiro" e "co-contratante" não é inocente, revelando diferenças etimológicas, bem como divergência de fins e de regimes jurídicos.
Concluo pela existência da possibilidade de corrupção. Parece-me que o Direito não se pode eximir das suas responsabilidades sociais pragmáticas nem da análise da facticidade que o rodeia, de forma a ser mais proficiente a defender o interesse público. Assim, em termos gerais e sujeitos a revisão, se o benefício das empresas privadas favorecer o enriquecimento de alguns dos decisores da administração, as PPP ficam despojadas de parte substancial das suas vantagens.
 Se a máquina estatal não funcionar de forma correcta, impermeável à corrupção, o subjectivismo deixa de ter a sua capacidade de garantia dos direitos dos particulares, e os travões ao poder discricionário da Administração não corresponderá, como deve, a uma prossecução mais justa do interesse público, redundando na protecção (e blindagem!) dos benefícios, por vezes exorbitantes, de um pequeno grupo de empresas. Num cenário como o descrito, criar-se-ia um "tertium gens" de administração, nem objectivista (por não permitir a prossecução discricionária dos interesses da Administração) nem subjectivista (por não ser eficaz na prossecução justa do interesse público), mas sim um subjectivismo oligárquico, com os vícios de ambos os modelos e sem as vantagens de nenhum deles









mantmantiveram-nas como vectores da sua política económica.

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