sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O estatuto jurídico das Universidades Públicas à luz do Decreto-lei 62/2007




O estatuto jurídico das Universidades Públicas à luz do Decreto-lei 62/2007

A questão de perceber qual o estatuto jurídico das instituições de ensino superior tem preocupado diversos pensadores e juristas, desde Vasco Pereira da Silva a Freitas do Amaral.
Em diferentes professores encontramos diferentes opiniões, defendendo uns, que as universidades recaem numa administração autónoma, e outros que pertencem à administração indirecta.
De forma muito resumida, por administração autónoma entende-se a existência de uma pessoa colectiva pública que prossegue fins próprios sob forma própria. Os interesses públicos seriam melhor representados por estas ‘’sub-comunidades’’ da autoridade política, tendo as universidades públicas uma verdadeira autonomia face ao Estado.
Os professores Jorge Miranda, Vasco Pereira da Silva e Marcelo Rebelo de Sousa defendem esta posição.
À administração indirecta está subjacente uma ideia de ligação rigorosa (não-autonomia) face ao Estado e aos seus poderes. Seria composta por diferentes entidades com personalidade jurídica pública que satisfariam as necessidades colectivas.
Para o professor Freitas do Amaral, as universidades pertenceram à administração indirecta, pois são uma espécie de institutos públicos.
Para a elaborar o presente artigo partirei da aceitação de que às instituições de ensino superior se admite o modelo da administração autónoma.
O art. 76º da Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê o primeiro tipo que referi, a administração autónoma, referindo-se expressamente ‘’autonomia estatutária, científica (…)’’.
Começarei por fazer uma pequena introdução histórica, e tentarei mostrar, posteriormente, algumas disposições consagradas no RJIES, nomeadamente relativas à forma de descentralização administrativa na esfera universitária, mais precisamente quanto à possibilidade de transformação das instituições públicas de ensino superior de natureza administrativa em instituições públicas de ensino superior de natureza fundacional.
Para perceber a autonomia jurídica das universidades é preciso atender a alguns eventos históricos:
Depois do modelo centralizador, característico do Estado Absoluto, surge um modelo liberal germânico de universidade, inspirado em princípios de liberdade e progresso científico. Procurando este novo modelo, instituir uma autonomia de governo científico e pedagógico perante o Estado. 
Estes ideais foram reconhecidos na 1ª República, onde foi atribuído às universidades públicas, não só, personalidade jurídica como, responsabilidade pelo seu autogoverno económico e científico. Neste período, as universidades públicas assumem um fim social de prossecução do interesse público.
A Ditadura Militar e o Período do Estado Novo representaram um verdadeiro retrocesso das autonomias conquistadas durante a 1ª República.
Esta autonomia de governo das universidades públicas regressa, primeiro através de algumas leis dispersas relativas a organização e gestão dos estabelecimentos do ensino superior e, mais tarde, com a revisão constitucional de 1982 e a consequente restauração das autonomias científica, pedagógica, administrativa e financeira, as quais se acrescenta a autonomia estatuária com a revisão de 1989.
A título de exemplo, a autonomia científica está consagrada na Constituição, nos artigos 42º/ 1 e 2 e 43º da CRP.
Mas há para além desta, outras autonomias administrativas constitucionalmente consagradas.
                De acordo com alguma doutrina, às instituições públicas do ensino superior é dado o poder para a prática de actos administrativos em geral, incluindo actos não sujeitos ao controlo de outro órgão.
Apesar de o art. 76º/2  (CRP) não referir expressamente autonomia regulamentar, podemos admitir que a universidade pública goza de poder de emissão de normas gerais e abstractas, com eficácia externa relativa às relações jurídicas com outras universidades. Isto traduz-se efectivamente numa reserva normativa, no entanto, está limitada a matérias reservadas à universidade mas fora do domínio da reserva do legislador.
Por matérias reservadas a universidade podemos entender: determinação do órgão competente para o exercício da autonomia regulamentar assim como a sua respectiva competência (art. 112º/7 CRP).
O mesmo art.76º/2 expõe uma autonomia estatutária. Esta autonimia consiste na faculdade de ‘’auto-organização’’, isto é, de organizar os seus próprios estatutos e definir a sua forma de organização: definição dos órgãos e competências; fins a prosseguir e princípios estruturantes.
Tais estatutos da universidade devem ser determinados pela vontade dos seus membros.     
Ao Estado cabe apenas delimitar o exercício desta autonomia, determinando os órgãos e as respectivas competências, sempre de forma genérica e não taxativa, em razão do espeço de liberdade que a autonomia estatutária permite (art. 112º/7 CRP)
                Outra que importa referir, é a autonomia financeira. Esta tem como aspectos essenciais: a capacidade de gerir receitas próprias, de as administrar e delas dispor, assim como realizar despesas, de acordo com um orçamento privativo.
                A autodeterminação universitária pressupõe não só um auto-governo (nas matérias que não sejam reservadas à lei) como pressupostos de responsabilização dos respectivos titulares, sempre sujeitos à responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais entidades públicas, pelos danos causados no exercício das suas funções, nos termos do art. 22º CRP e art. 157º/1/2 RJIES.
Estes órgãos estarão ainda sujeitos ao regime da responsabilidade financeira. O poder de controlo pertence ao Tribunal de Contas (art.158º) do qual pode resultar umas responsabilidade sancionatória (aplicação de multas aos agentes) ou reintegratória (reposição de valores por parte dos agentes responsáveis pelo ilícito financeiro).
Estão presentes no RJIES (decreto-lei 62/2007) dois modelos de descentralização administrativa no âmbito do ensino superior: (i) Instituições de ensino superior públicas de natureza administrativa e (ii) Instituições públicas de ensino superior de natureza fundacional.             
        I.            Se nada for dito expressamente, as instituições de ensino superior público têm natureza administrativa. O art.9º/1 do RJIES profere ‘’As instituições de ensino superior públicas são pessoas colectivas de direito publico’’, podendo ainda revestir a forma de fundações públicas de direito privado.
As instituições de ensino superior públicas estão, a partida, sujeitas ao regime aplicável as demais pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa (podendo-se recorrer à lei quadro dos institutos públicos, subsidariamente)
      II.            O modelo administrativo das universidades pode ser fundacional.
A escolha do modelo de natureza administrativa ou fundacional a adoptar, não cabe a estas instituições mas antes ao Governo, uma vez que tal decisão não pertence a esfera de competência daquela, no exercício da sua função administrativa (art.267º/2 CRP). A transformação institucional não se integra nas autonomias constitucional ou legalmente consagradas.
A iniciativa e decisão última de transformação caberá ao Governo!
No entanto, no RJIES, o legislador confere as instituições de ensino superior públicas a iniciativa de propôr ao Governo a alteração do respectivo modelo institucional, deixando-lhes a responsabilidade e um juízo de oportunidade sobre a ‘’bondade’’ da solução (art.2º, última parte; art.267º/1 CRP) (art.129º /1/4/9/10 RJIES).
O nº 5 do art.129º do RJIES estabelece que uma escola (art.13º/4) pode (excepcionalmente) solicitar ao Governo a sua transformação. Ora, isto parece ser um problema: a escola é uma unidade orgânica da instituição de ensino superior público e por isso não dotada de uma autonomia de governo. O facto de sozinha poder despoltar um processo de transformação institucional não parece muito coerente, uma vez que esta transformação tem implicações ao nível do governo da universidade inteira (art.13º/2; art.67º,d); art.126º/4 RJIES). A escola não se assemelha a uma entidade autónoma e por isso não se percebe porque é que esta iniciativa do processo de transformação possa acontecer sem a autorização da respectiva instituição de ensino superior público (bastará a junção de uma parecer não vinculativo ao processo)
O art.129º/5 parece um pouco incompatível com as autonomias consagradas no art.11º/1 RJIES.
Outro aspecto que é importante realçar é o seguinte, por exemplo, a autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira, não pode ser submetida a negociações porque tal resultaria num retrocesso das autonomias conquistadas e numa sujeição das instituições de ensino superior ao funcionalismo estatal.
As instituições de ensino superior públicas e as de ensino superior privadas não estão sujeitas a uma definição estatal dos respectivos projectos institucionais ou programas de desenvolvimento. Estarão apenas sujeitos a um controlo de legalidade (art.27º/2,g); art.11º/5 RJIES).
No desenrolar do processo de transformação numa instituição de ensino superior de natureza fundacional, as instituições interessadas podem ver cessar o procedimento por acto do Estado que determine a referida conclusão por falta de acordo.
Ainda assim, a parte cujas expectativas saíram frustradas, tem algumas hipóteses. A título de exemplo:
i)Podem as instituições de ensino superior público, lesadas com a decisão de conclusão do procedimento por falta de acordo em relação ao projecto de transformação (para natureza fundacional) e ao programa de desenvolvimento, pedir uma acção de responsabilidade civil contra o Estado pelo exercício da função administrativa, baseando-se na violação de princípios constitucional e legalmente previstos, nomeadamente: art.22º e 76º/2 CRP; art.1º, 7º e 11º /1).
ii) impugnar o acto que põe fim ao procedimento assentado na recusa de aprovação e dos programas referidos (art.66º CPTA , Código de processo dos Tribunais Administrativos).
                Para conclusão, parece que este Decreto-lei 62/2007, veio dar mais autonomia as instituições de ensino superior público, na medida em que lhes permite preferir, baseando-se no bom senso (claro) qual o modelo que mais lhes convém adoptar (natureza administrativa ou fundacional).
                É importante relembrar que o que parece importar neste RJIES, é que não haja um retrocesso nas autonomias, nomeadamente científicas ou financeiras, conquistadas.
                Por último, as instituições de ensino superior públicas são criadas pelo Estado como forma de garantir liberdades fundamentais, como a de aprender (art.43º/1 CRP).
                As instituições de ensino superior públicas constituem uma forma de descentralização  administrativa instrumental ao serviço do interesse público!


Bibliografia:

Diogo Freitas do Amaral – ‘’Curso de Direito Administrativo’’
Cláudia Janardo Gonçalves -‘’ O acto constitutivo das fundações públicas de direito privado’’
Marcelo Rebelo de Sousa – ‘’Direito Administrativo’’

Legislação:

Constituição da Républica Portuguesa
Decreto-lei 62/2007 Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior
Código de processo dos Tribunais Administrativos









                                                               Mafalda Young (nº21885)







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