segunda-feira, 10 de dezembro de 2012


A delegação tácita de competências

            Antes do estudo da figura da delegação tácita de poderes, cabe analisar, em traços largos, o que é a delegação de competências. Assim, de acordo com o Prof. DIOGO FREITAS DO AMARAL, a delegação de competências é o acto pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre as mesmas matérias.
            Diz o supra citado Professor que são três os requisitos da delegação de competências. Em primeiro lugar que a lei preveja expressamente essa realidade, i. e., a chamada lei de habilitação; em segundo lugar é necessária a existência de dois órgãos ou agentes, um delegante (o órgão normalmente competente) e um delegado (o órgão eventualmente competente); por último, é necessário um acto de delegação, ou seja, o acto pelo qual o delegante delega poderes ou competências ao delegado.
            Assim, a delegação tácita de competências é definida como a vontade do legislador em promover a desconcentração administrativa, através da lei. Desta forma, será a própria lei a delegar competência para a prática de certos actos num órgão ou agente da mesma pessoa colectiva. Nas palavras do acórdão do STA de 15 de Março de 1990, processo nº 26863, a “delegação tácita assenta na vontade presumida do órgão da Administração de delegar alguns dos seus poderes”.
            São várias as diferenças entre a delegação tácita e expressa de competência. Refere o Prof. MARCELO REBELO DE SOUSA que a primeira decorre directamente da lei, a segunda de um acto administrativo; a primeira consiste numa atribuição originária de competência, a segunda numa transferência da competência; a primeira é uma modalidade de desconcentração originária, a segunda a uma modalidade de desconcentração derivada.
            A delegação expressa de competências tem como uma das suas características fundamentais o seu carácter intuitos personnae, ou seja, tem como sujeitos não tanto os órgãos administrativos mas antes os seus respectivos titulares, extinguindo-se por caducidade em caso de alternância na titularidade seja do delegante, seja do delegado. Ora, tal não acontece com a delegação tácita de competências. Deste modo, apesar de qualquer renovação nos cargos administrativos não revoga (como é evidente) a lei que delega competências. O mesmo não sucede com a delegação expressa de competências, uma vez que em caso de renovação dos cargos, todos os actos de delegação de competência se extinguem por caducidade.
            Não obstante a lei delegar originariamente a competência para que o titular de um qualquer órgão possa praticar determinados actos administrativos, tal não impede que o seu superior hierárquico se substitua ao subalterno na prática do acto administrativo. Para tal basta que faça uma avocação dos poderes tacitamente delegados. A delegação tácita de competência funciona pois como uma atribuição legal de competências condicionada à sua não-avocação. Assim poder-se-ia perguntar se da mesma forma que a delegação tácita de competências não se extingue pela renovação dos cargos administrativos, se a avocação de poderes se mantém, da mesma forma que esta figura. A resposta é óbvia e a justificação também. Assim, parece claro que a avocação de poderes se extingue por caducidade aquando desta alternância. Caso contrário a avocação só funcionaria uma vez e faria letra morta da lei.
            Numa tentativa de verificar se o regime da delegação expressa de poderes se poderia aplicar à delegação tácita de poderes verificámos que tal não é possível. O Prof. MARCELO REBELO DE SOUSA refere que do regime da delegação de poderes (arts. 35º e seguintes do CPA), apenas os artigos 36º e 39º seriam aplicáveis. Assim, restam ao delegante alguns poderes de direcção (art.39º, nº1 CPA), os poderes de revogação e de avocação dos actos delegados (art.39º, nº2 CPA) e o poder de autorizar a subdelegação (art.36º, nº1 CPA). Resta perceber que mesmo este último poder normalmente é afastado pelas normas de delegação tácita, que facultam directamente a possibilidade de subdelegação.
             Do exposto se retira que se afastou a aplicação de vários artigos do regime da delegação de poderes. Desta forma, não faria sentido aplicar à delegação tácita de competências o art.35º CPA, que constitui normas habilitantes da emissão de actos de delegação; os arts. 37º e 40º CPA que pressupõem a existência de um acto de delegação intuito personnae (especialmente o art. 40º b) CPA). Já o art. 38º poderia gerar algumas dúvidas. Ainda assim concluímos que não se aplica analogicamente, uma vez que a delegação não decorre de um acto administrativo, antes da lei. Ora, sendo a lei cognoscível, ao contrário de um mero acto administrativo, as dúvidas são dissipadas. Isto porque o art.35º CPA serve apenas como um meio probatório de competência para a prática de determinado acto, para que a falta de competência na prática de certos actos não possa ser invocada por terceiros. Assim, não parece que o titular desse órgão  tenha que demonstrar que é habilitado para a prática de um acto através da lei. Como fundamento desta argumentação, basta atentar no art. 6º CC.
            De toda a análise se retira que a delegação tácita de competência não pode ser considerada uma espécie do género da delegação de poderes. O seu regime e natureza faz com que ambas as figuras se afastem. Assim, a delegação de poderes é uma forma de desconcentração derivada enquanto que a delegação tácita de poderes é uma forma de desconcentração originária, ideia que se encontra bem presente no acórdão do STA de 2 de Dezembro de 1993, processo nº 32308. É esta a posição pelo Prof. DIOGO FREITAS DO AMARAL, com a qual concordamos inteiramente.

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