A
delegação tácita de competências
Antes do estudo da figura da delegação tácita de poderes,
cabe analisar, em traços largos, o que é a delegação de competências. Assim, de
acordo com o Prof. DIOGO FREITAS DO AMARAL, a delegação de competências é o acto
pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em
determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente
pratique actos administrativos sobre as mesmas matérias.
Diz o supra citado Professor que são três os requisitos
da delegação de competências. Em primeiro lugar que a lei preveja expressamente
essa realidade, i. e., a chamada lei de habilitação; em segundo lugar é
necessária a existência de dois órgãos ou agentes, um delegante (o órgão normalmente
competente) e um delegado (o órgão eventualmente competente); por último, é necessário
um acto de delegação, ou seja, o acto pelo qual o delegante delega poderes ou
competências ao delegado.
Assim, a delegação tácita de competências é definida como
a vontade do legislador em promover a desconcentração administrativa, através
da lei. Desta forma, será a própria lei a delegar competência para a prática de
certos actos num órgão ou agente da mesma pessoa colectiva. Nas palavras do
acórdão do STA de 15 de Março de 1990, processo nº 26863, a “delegação tácita
assenta na vontade presumida do órgão da Administração de delegar alguns dos
seus poderes”.
São várias as diferenças entre a delegação tácita e expressa
de competência. Refere o Prof. MARCELO REBELO DE SOUSA que a primeira decorre
directamente da lei, a segunda de um acto administrativo; a primeira consiste
numa atribuição originária de competência, a segunda numa transferência da
competência; a primeira é uma modalidade de desconcentração originária, a
segunda a uma modalidade de desconcentração derivada.
A delegação expressa de competências tem como uma das
suas características fundamentais o seu carácter intuitos personnae, ou seja, tem como sujeitos não tanto os órgãos
administrativos mas antes os seus respectivos titulares, extinguindo-se por
caducidade em caso de alternância na titularidade seja do delegante, seja do
delegado. Ora, tal não acontece com a delegação tácita de competências. Deste
modo, apesar de qualquer renovação nos cargos administrativos não revoga (como
é evidente) a lei que delega competências. O mesmo não sucede com a delegação
expressa de competências, uma vez que em caso de renovação dos cargos, todos os
actos de delegação de competência se extinguem por caducidade.
Não obstante a lei delegar originariamente a competência para
que o titular de um qualquer órgão possa praticar determinados actos
administrativos, tal não impede que o seu superior hierárquico se substitua ao
subalterno na prática do acto administrativo. Para tal basta que faça uma
avocação dos poderes tacitamente delegados. A delegação tácita de competência
funciona pois como uma atribuição legal de competências condicionada à sua não-avocação. Assim poder-se-ia perguntar se da mesma forma que a delegação tácita
de competências não se extingue pela renovação dos cargos administrativos, se a
avocação de poderes se mantém, da mesma forma que esta figura. A resposta é
óbvia e a justificação também. Assim, parece claro que a avocação de poderes se
extingue por caducidade aquando desta alternância. Caso contrário a avocação só
funcionaria uma vez e faria letra morta da lei.
Numa tentativa de verificar se o regime da delegação
expressa de poderes se poderia aplicar à delegação tácita de poderes
verificámos que tal não é possível. O Prof. MARCELO REBELO DE SOUSA refere que
do regime da delegação de poderes (arts. 35º e seguintes do CPA), apenas os
artigos 36º e 39º seriam aplicáveis. Assim, restam ao delegante alguns poderes
de direcção (art.39º, nº1 CPA), os poderes de revogação e de avocação dos actos
delegados (art.39º, nº2 CPA) e o poder de autorizar a subdelegação (art.36º,
nº1 CPA). Resta perceber que mesmo este último poder normalmente é afastado
pelas normas de delegação tácita, que facultam directamente a possibilidade de
subdelegação.
Do exposto se
retira que se afastou a aplicação de vários artigos do regime da delegação de
poderes. Desta forma, não faria sentido aplicar à delegação tácita de
competências o art.35º CPA, que constitui normas habilitantes da emissão de
actos de delegação; os arts. 37º e 40º CPA que pressupõem a existência de um
acto de delegação intuito personnae (especialmente
o art. 40º b) CPA). Já o art. 38º poderia gerar algumas dúvidas. Ainda assim
concluímos que não se aplica analogicamente, uma vez que a delegação não
decorre de um acto administrativo, antes da lei. Ora, sendo a lei cognoscível,
ao contrário de um mero acto administrativo, as dúvidas são dissipadas. Isto porque
o art.35º CPA serve apenas como um meio probatório de competência para a
prática de determinado acto, para que a falta de competência na prática de
certos actos não possa ser invocada por terceiros. Assim, não parece que o
titular desse órgão tenha que demonstrar que é habilitado para a prática de um
acto através da lei. Como fundamento desta argumentação, basta atentar no art.
6º CC.
De toda a análise se retira que a delegação tácita de competência
não pode ser considerada uma espécie do género da delegação de poderes. O seu
regime e natureza faz com que ambas as figuras se afastem. Assim, a delegação
de poderes é uma forma de desconcentração derivada enquanto que a delegação
tácita de poderes é uma forma de desconcentração originária, ideia que se
encontra bem presente no acórdão do STA de 2 de Dezembro de 1993, processo nº
32308. É esta a posição pelo Prof. DIOGO FREITAS DO AMARAL, com a qual
concordamos inteiramente.
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