sábado, 15 de dezembro de 2012

Relação jurídica na Administração Pública


                A relação jurídica constitui um conceito central do Direito Administrativo, que surgiu a par da alteração do panorama da Administração Pública e em concordância com a consagração de direitos fundamentais nas constituições, que afastam os poderes exorbitantes que, até então, caraterizavam a Administração.
                A relação jurídica administrativa carateriza-se por permitir o estabelecimento de relações entre os privados e as autoridades administrativas e, também, as relações que estas estabelecem entre si [1]. Trata-se, portanto, de uma figura que transparece a posição dos particulares, verdadeiros sujeitos jurídicos, em igualdade com a Administração [2].
                O conceito permite, por conseguinte, dar ênfase aos direitos individuais. Deste modo, a Constituição portuguesa consagra, para Vasco Pereira da Silva, a relação jurídica administrativa, designadamente, nos seus artigos 1º, 2º, 9º e 18º. Por outro lado, também o artigo 266º consagra, para o Professor, a relação jurídica, porque o interesse público a que se refere o artigo acautela os direitos dos cidadãos [3].    
                Em paralelo com a relação jurídica administrativa, também o conceito de direito subjetivo público adquire, para o Direito Administrativo, importância primária, porque é com fundamento nele que o indivíduo assume a posição de sujeito jurídico, estabelecendo relações com os órgãos do poder público.
                O Direito Administrativo não se reduz, porém, a estes dois conceitos, pelo que, mais uma vez, por força do apagamento da imagem autoritária da Administração, substituída por uma Administração “prestadora”, a atividade administrativa densifica-se e as relações estabelecidas entre a Administração e os privados aumentam. Por esta razão, os direitos dos particulares deixam de ser necessária e diretamente atribuídos pela lei, bastando que sejam afetados pela relação jurídica administrativa entre outros sujeitos e a Administração. Assim nasce o conceito de relação multilateral ou poligonal [4].
                Podemos enumerar alguns exemplos que denotam a complexa rede de relações jurídicas administrativas que encontramos no seio da Administração, nomeadamente, no direito a uma intervenção policial, nos direitos dos vizinhos do dono de uma obra, em matéria de defesa do ambiente e de empresas concorrentes (p. 255)
                Por conseguinte, a análise do DL nº 217/2012 [5] permite-nos aferir com maior clareza a existência de uma rede complexa de relações jurídicas administrativas. O DL destina-se a estabelecer os procedimentos e a definir as competências das instalações de armazenamento de produtos do petróleo e de combustíveis líquidos e gasosos derivados do petróleo e, ainda, as redes e ramais de distribuição ligadas a reservatórios de gases de petróleo liquefeito (art. 1º DL 217/2012).
                De acordo com o art. 4º/2 do DL 217/2012, os elementos a fornecer pelo promotor e requisitos e observações técnicas a observar são definidos em portaria pelos membros do governo responsáveis pela área da economia e das autarquias locais. Deparamo-nos, portanto, em primeiro, com a existência de uma ligação entre os indivíduos e a Administração. O nº3 do art. 4º faz, em seguida, referência à salvaguarda da segurança, em face da perigosidade das instalações envolvidas, pelo que podemos daqui retirar um primeiro exemplo que salvaguarda terceiros.
                Depois, também os artigos 12º, 14º, 15º, 20º e 21º transparecem a complexificação da relação jurídica administrativa. Neles, faz-se referência, direta ou indiretamente, à garantia da segurança de pessoas e bens, através da entidade licenciadora ou por uma comissão composta para o efeito; pela responsabilização por danos ambientais, que ponham em causa a segurança e também a saúde e higiene das pessoas; pela reposição, com a cessação da atividade, das condições que garantam, mais uma vez, a segurança das pessoas e o ambiente.
                Em suma, no quadro da atual Administração Pública, devido à complexificação da sua atividade, verificamos que o ordenamento jurídico português consagra não só na Constituição portuguesa, como também em leis ordinárias, a relação jurídica administrativa, auxiliada pelo conceito de direito subjetivo público, enquanto conceito fundamental, que garante ao indivíduo a posição de verdadeiro sujeito jurídico, quer se integre direta ou indiretamente no âmago das relações que hoje abundam na Administração Pública.

[1] Vasco Pereira da Silva, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina, Lisboa, 1995, página 149;
[2] Ibidem, p. 186;
[3] Ibidem, páginas 206 e 207;
[4] Ibidem, páginas 233 e 234
[5] Decreto-Lei 217/2012. Disponível em http://dre.pt/pdf1sdip/2012/10/19500/0559505607.pdf

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