A
relação jurídica constitui um conceito central do Direito Administrativo, que
surgiu a par da alteração do panorama da Administração Pública e em
concordância com a consagração de direitos fundamentais nas constituições, que
afastam os poderes exorbitantes que, até então, caraterizavam a Administração.
A
relação jurídica administrativa carateriza-se por permitir o estabelecimento de
relações entre os privados e as autoridades administrativas e, também, as
relações que estas estabelecem entre si [1]. Trata-se, portanto, de uma figura
que transparece a posição dos particulares, verdadeiros sujeitos jurídicos, em igualdade
com a Administração [2].
O conceito permite, por
conseguinte, dar ênfase aos direitos individuais. Deste modo, a Constituição portuguesa
consagra, para Vasco Pereira da Silva, a relação jurídica administrativa,
designadamente, nos seus artigos 1º, 2º, 9º e 18º. Por outro lado, também o
artigo 266º consagra, para o Professor, a relação jurídica, porque o interesse
público a que se refere o artigo acautela os direitos dos cidadãos [3].
Em
paralelo com a relação jurídica administrativa, também o conceito de direito
subjetivo público adquire, para o Direito Administrativo, importância primária,
porque é com fundamento nele que o indivíduo assume a posição de sujeito
jurídico, estabelecendo relações com os órgãos do poder público.
O
Direito Administrativo não se reduz, porém, a estes dois conceitos, pelo que,
mais uma vez, por força do apagamento da imagem autoritária da Administração,
substituída por uma Administração “prestadora”, a atividade administrativa
densifica-se e as relações estabelecidas entre a Administração e os privados
aumentam. Por esta razão, os direitos dos particulares deixam de ser necessária
e diretamente atribuídos pela lei, bastando que sejam afetados pela relação
jurídica administrativa entre outros sujeitos e a Administração. Assim nasce o
conceito de relação multilateral ou poligonal [4].
Podemos
enumerar alguns exemplos que denotam a complexa rede de relações jurídicas
administrativas que encontramos no seio da Administração, nomeadamente, no direito
a uma intervenção policial, nos direitos dos vizinhos do dono de uma obra, em
matéria de defesa do ambiente e de empresas concorrentes (p. 255)
Por conseguinte,
a análise do DL nº 217/2012 [5] permite-nos aferir com maior clareza a existência
de uma rede complexa de relações jurídicas administrativas. O DL destina-se a
estabelecer os procedimentos e a definir as competências das instalações de
armazenamento de produtos do petróleo e de combustíveis líquidos e gasosos
derivados do petróleo e, ainda, as redes e ramais de distribuição ligadas a
reservatórios de gases de petróleo liquefeito (art. 1º DL 217/2012).
De
acordo com o art. 4º/2 do DL 217/2012, os elementos a fornecer pelo promotor e
requisitos e observações técnicas a observar são definidos em portaria pelos
membros do governo responsáveis pela área da economia e das autarquias locais. Deparamo-nos,
portanto, em primeiro, com a existência de uma ligação entre os indivíduos e a
Administração. O nº3 do art. 4º faz, em seguida, referência à salvaguarda da
segurança, em face da perigosidade das instalações envolvidas, pelo que podemos
daqui retirar um primeiro exemplo que salvaguarda terceiros.
Depois,
também os artigos 12º, 14º, 15º, 20º e 21º transparecem a complexificação da
relação jurídica administrativa. Neles, faz-se referência, direta ou
indiretamente, à garantia da segurança de pessoas e bens, através da entidade
licenciadora ou por uma comissão composta para o efeito; pela responsabilização
por danos ambientais, que ponham em causa a segurança e também a saúde e
higiene das pessoas; pela reposição, com a cessação da atividade, das condições
que garantam, mais uma vez, a segurança das pessoas e o ambiente.
Em
suma, no quadro da atual Administração Pública, devido à complexificação da sua
atividade, verificamos que o ordenamento jurídico português consagra não só na
Constituição portuguesa, como também em leis ordinárias, a relação jurídica
administrativa, auxiliada pelo conceito de direito subjetivo público, enquanto
conceito fundamental, que garante ao indivíduo a posição de verdadeiro sujeito
jurídico, quer se integre direta ou indiretamente no âmago das relações que
hoje abundam na Administração Pública.
[1] Vasco Pereira da Silva, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina,
Lisboa, 1995, página 149;
[2] Ibidem, p. 186;
[3] Ibidem, páginas 206 e 207;
[4] Ibidem, páginas 233 e 234
[5] Decreto-Lei 217/2012. Disponível em http://dre.pt/pdf1sdip/2012/10/19500/0559505607.pdf
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